segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Redescobrindo

Texto de autoria de Marcelo Derbli Schafranski, médico reumatologista, Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 01/11/2022, no Portal CulturAção em 29/11/2022, e publicado no Diário dos Campos em 21/12/2022.

          Os infortúnios da vida inauguram novas rotinas. Após um acidente automobilístico, felizmente sem culpa e sem vítimas, optamos por uma experiência inédita: viver sem automóvel próprio. De início, pensamos que a atitude não perduraria. Entretanto, já se vão quase dois meses de caminhadas das mais variadas extensões e do uso de motoristas de aplicativos, quando indispensável.

          Na arte, buscamos motivação. E, notadamente na literatura, encontramos inspiração. “Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam”, afirmava Nelson Rodrigues, célebre dramaturgo e cronista. Que assim seja. E a pé, somos ainda mais lentos. Ao longo dos itinerários variados que percorremos, temos tido a oportunidade de conhecer e admirar características da nossa Princesa dos Campos antes totalmente desconhecidas ou ignoradas: detalhes da arquitetura de casarões e casebres, meandros de praças antes inexplorados, particularidades da fachada de edificações e igrejas, o semblante dos transeuntes apressados ou não. E a imaginação nos transporta a épocas não vividas, mas pelas quais guardamos prestimosa consideração.

          Na impossibilidade da locomoção a pé, recorremos aos aplicativos, símbolos de uma nova era na prestação de serviços. Abrimos um parêntesis aqui para uma recordação: há alguns anos, quando dentro de um táxi, indagamos o motorista sobre o futuro dos aplicativos de transporte em nossa cidade. “Ponta Grossa não está preparada para esse tipo de modernidade”, respondeu-me. Previsão equivocada.

          Malcolm Gladwell, jornalista e escritor britânico, autor de diversos best sellers, asseverava que todos temos a capacidade de tornar qualquer diálogo interessante, pois qualquer ser humano tem algo valioso a compartilhar, ansioso apenas pela oportunidade adequada e por um ouvinte atento. E é com essa postura que temos mergulhado na vida e na personalidade dos indivíduos que trabalham com o transporte de passageiros, sempre que nos é permitido. Alguns com dedicação exclusiva ao ofício, outros não. Homens e mulheres com diferentes histórias, sejam elas presentes, pretéritas ou futuras, frequentemente plenas de significados e de sentidos. Causos peculiares não faltam nessas breves mas significativas interações de benefício mútuo.

          E, dessa maneira inusitada, aprofundamos um pouco mais o nosso conhecimento sobre Ponta Grossa, suas imagens e o seu povo. Uma cidade antes invisível aos olhos de um sempre apressado e solitário motorista.

Um comentário:

  1. Eu também não tenho carro por opção e, me valendo de aplicativos de transporte, gosto de escutar os motoristas. É um pedaço da vida que está ali, efemeramente à disposição. O texto capta bem.

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