Texto de autoria de Marcelo Derbli Schafranski, médico reumatologista, Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 01/11/2022, no Portal CulturAção em 29/11/2022, e publicado no Diário dos Campos em 21/12/2022.
Os infortúnios da vida inauguram novas
rotinas. Após um acidente automobilístico, felizmente sem culpa e sem vítimas,
optamos por uma experiência inédita: viver sem automóvel próprio. De início,
pensamos que a atitude não perduraria. Entretanto, já se vão quase dois meses
de caminhadas das mais variadas extensões e do uso de motoristas de
aplicativos, quando indispensável.
Na arte, buscamos motivação. E,
notadamente na literatura, encontramos inspiração.
“Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam”, afirmava Nelson
Rodrigues, célebre dramaturgo e cronista. Que assim seja. E a pé, somos ainda
mais lentos. Ao longo dos itinerários variados que percorremos, temos tido a
oportunidade de conhecer e admirar características da nossa Princesa dos Campos
antes totalmente desconhecidas ou ignoradas: detalhes da arquitetura de
casarões e casebres, meandros de praças antes inexplorados, particularidades da
fachada de edificações e igrejas, o semblante dos transeuntes apressados ou
não. E a imaginação nos transporta a épocas não vividas, mas pelas quais
guardamos prestimosa consideração.
Na impossibilidade da locomoção a pé,
recorremos aos aplicativos, símbolos de uma nova era na prestação de serviços.
Abrimos um parêntesis aqui para uma recordação: há alguns anos, quando dentro
de um táxi, indagamos o motorista sobre o futuro dos aplicativos de transporte em
nossa cidade. “Ponta Grossa não está preparada para esse tipo de modernidade”,
respondeu-me. Previsão equivocada.
Malcolm Gladwell, jornalista e
escritor britânico, autor de diversos best sellers, asseverava que todos
temos a capacidade de tornar qualquer diálogo interessante, pois qualquer ser
humano tem algo valioso a compartilhar, ansioso apenas pela oportunidade
adequada e por um ouvinte atento. E é com essa postura que temos mergulhado na
vida e na personalidade dos indivíduos que trabalham com o transporte de
passageiros, sempre que nos é permitido. Alguns com dedicação exclusiva ao
ofício, outros não. Homens e mulheres com diferentes histórias, sejam elas
presentes, pretéritas ou futuras, frequentemente plenas de significados e de
sentidos. Causos peculiares não faltam nessas breves mas significativas
interações de benefício mútuo.
E, dessa maneira inusitada,
aprofundamos um pouco mais o nosso conhecimento sobre Ponta Grossa, suas
imagens e o seu povo. Uma cidade antes invisível aos olhos de um sempre
apressado e solitário motorista.
Eu também não tenho carro por opção e, me valendo de aplicativos de transporte, gosto de escutar os motoristas. É um pedaço da vida que está ali, efemeramente à disposição. O texto capta bem.
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