Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa).
Publicado no Diário dos Campos em 14/10/2022, postado no Portal CulturAção em 25/10/2022, e no Portal aRede em 20/12/2022.
A discrição não recomenda que a história edificante abaixo seja
contada em jornais, mas assim me pediram e insistiram os únicos descendentes
vivos, bastante remotos, todos confiantes de que o tempo atenua os efeitos das
ações e paixões humanas e cientes de que já há várias décadas a querela que vou
narrar tramita tão somente nas instâncias celestiais.
Sucede que o casamento foi arranjado e, como de hábito, os
nubentes eram desiguais. ELE, como o pai, era destemido, amante da contenda e
do desastre. NELA, como na mãe, doçura e comedimento abraçavam-se numa simbiose
perfeita. A cerimônia foi celebrada não vem ao caso onde; naturalmente, o
consórcio foi infeliz desde o primeiro dia. O sujeito era autoritário como um
patriarca do Velho Testamento e a moça, para olhar pela janela para ver se ia
chover, precisava de autorização por escrito lavrada em cartório com firma
reconhecida e duas testemunhas com endosso ao portador. Para piorar, havia um
vizinho que por ali aparecia com frequência pretextando futilidades diversas
naquela linguagem viperina que botou o Éden a perder. ─ "Isso ainda vai
arruinar" ─, dizia a mãe dela para o pai dele, ─ "aconselha o teu
filho que não desate esses brios por qualquer besteirada". O matuto,
bronco e reacionário ele próprio, sabia que o fruto não cai longe do pé e só
calava.
Ocorre que o marido precisou se ausentar de casa para fazer um
transporte de gado e, para não dizer que fosse completamente o cão, tencionou
deixar a esposa na fazenda para não expô-la às maleitas e aos andaços que
varavam a região, sem contar os assaltos dos bandoleiros e as estradinhas
cruciantes.
─ Posso ficar com teu irmão, aí você sossega esse ciúme! ─, ela
sugeriu ternamente, e só emprego o ponto de exclamação por solidariedade ao
revisor, pois aquela voz não exclamava nada.
O homem foi, voltou e a mulher, que se enchera de seu
comportamento belicoso, rompera as ataduras matrimoniais que a ligavam àquele
perturbado e se mandara. Ele pegou na carabina, botou a cartucheira e foi
buscá-la na casa do vizinho, que nada tinha com a história. Com quem, então?
Você, leitor perspicaz e cioso de antecipar as reviravoltas, pensa
que já tem a resposta: com o cunhado.
Não foi dessa vez. Os que me solicitaram essa crônica juram que
foi com o sogro. É nível Nelson Rodrigues mesmo, avisei no título.
Ótima!
ResponderExcluirPuro Nelson!!!
ResponderExcluirJesus! Voou direto para outra gaiola! Nelson Rodrigues está avaliando, em evidente contentamento, se pode bater já o martelo e assinar embaixo, ou se aguarda confirmação da veracidade pelo Zap celestial, e assina depois, mesmo que não se confirme. Parabéns!
ResponderExcluirAgradeço a todos pelos gentis comentários. Att Murilo
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