Texto de autoria de Sergio Batistel, formado em Letras Português/Espanhol pela UEPG, revisor de textos, Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 17/08/2022, no Portal CulturAção em 19/10/2022, e publicado no Diário dos Campos em 08/02/2023.
Passava em frente à catedral, apressado, quando o vi
descer, rasante, do topo da cruz, lá no alto, direto para mim. No susto,
suspendi o passo, subitamente, e o encarei. Um pombo de asas brancas com
manchas avermelhadas. Ele ali ficou, me olhando com seus pequeninos olhos
negros, balançando a cabecinha curiosa, que parecia reconhecer em mim um amigo,
até que eu me afastasse.
No final da tarde, porém, quem foi que veio do topo da
cruz, novamente em voo rasante? Pois bem, o pombo. Reconheci-o de imediato, e,
desta vez, com menos pressa, parei também a observá-lo. Era o final do
expediente, plena hora do rush, e havia, no entorno da igreja matriz, movimento
e sons quase infernais de gente e veículos.
O pombo, porém, não parecia interessado em nada à sua
volta, a não ser em mim. Olhava-me diretamente nos olhos, e comecei a ficar
incomodado. Atravessei a praça, aturdido, e ainda notei, ao olhar para trás,
que ele de longe me seguia, alheio também aos tantos da sua espécie, habitantes
em grande número do lugar.
Naquela noite, cheguei a sonhar com o pássaro, mas um sonho
trágico, em que ele se jogava do alto da cruz e se espatifava no chão, ora
vejam bem, um pombo suicida. E justo eu, que já tinha pensado no ato, não do
alto de uma cruz, mas do alto de minha janela mesmo...
Assim, no dia seguinte, não foi sem alguma inquietação que
o procurei. Era uma manhã bonita, o sol nascia e reverberava seus raios nos
vitrais coloridos da catedral, criando um efeito sublime e sinestésico: eu
sentia o cheiro das cores.
Foi então que observei, caído diante da entrada da igreja,
o corpinho branco da ave, as asas abertas, como se ainda quisesse voar.
Espatifado, como se houvesse realmente se jogado lá de cima, igualzinho ao meu
sonho.
Sem reação, me deixei ficar, a velar sua existência
acabada, e só deixei a praça quando ela começou a encher de gente. Saía com
lágrimas nos olhos e a imaginar o meu próprio corpo caído, jogado da minha
janela, espatifado e sem vida, talvez de braços abertos, como se ainda quisesse
viver.
À tarde, não havia mais sinal do corpo. Teriam as formigas,
já, feito seu trabalho de coveiras, ou o pombo nunca tinha existido?
Foi o que me ocorreu, ao voltar para casa. Os vitrais da
catedral brilhavam, agora, noturnos, a destacar-se no entorno boêmio. Desde
então, esqueci ideias suicidas, e devo isto a esse pombo ou espírito da vida,
que, ao destruir-se, me salvou de minha autodestruição.
adorei o texto . Silvia Schafranski
ResponderExcluirUma impressionante narrativa, emocionante e reflexiva. Parabéns ainda pela qualidade do texto.
ResponderExcluirSua crônica é bendita, em todos os sentidos, Sérgio Batistel. Só pessoas com preciosa sensibilidade, são capazes de materializar em palavras, uma intuição, que por si só leva a criatividade. Parabéns!
ResponderExcluirMuito boa crônica, me fez lembrar, por contraste, a novela A Pomba, de Patrick Süskind (mais conhecido no Brasil por ser o autor de Perfume - História de um Assassino, que teve alguma repercussão por aqui). Lá, o mesmo animal também se apresenta com um fundo simbólico, embora naquele caso mais negativo. Parabéns pela estreia nesse espaço. Att. Murilo.
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