segunda-feira, 4 de julho de 2022

Crônica do desaparecido

Texto de autoria de Carlos Mendes Fontes Neto, engenheiro civil, Ponta Grossa.

Postada no Portal aRede, em 06/07/2022, no Portal CulturAção, em 03/02/2023 e publicada no Diário dos Campos em 31/08/2022.

    Andando pela cidade, percebemos que tudo está desaparecendo. Quando a gente passa por uma rua e procura alguma coisa de que se lembra, espanta-se por não conseguir achar qualquer vestígio. Desde a casa paranista com lambrequins até os mercadinhos tocados por rostos familiares.

    Não se acha mais o antigo palacete do bispo, não existem mais as pastilhas de vidro da fachada do Cine Ópera, o Império virou cratera, a fonte luminosa sumiu da praça, de onde também sumiu o busto da Judith. O Bianchi virou estacionamento. Aquela rádio com programas de auditório sumiu da XV. Na esquina da Eng. Schamber, o som dos programas vespertinos parece ecoar, mas só o vento continua soprando inclemente. E assim vai, a cidade se transformando e se modificando. Sumiram as personagens “sui generis” das ruas centrais, tais como aquela velhinha que esmolava na esquina do antigo correio (que também sumiu) e contavam viver à larga com proventos de várias casas de aluguel. Sumiu o barulho de reco-reco que os sorveteiros faziam nas tardes modorrentas do verão princesino. Sumiu o box da Dona Maria no demolido Mercadão, onde se vendiam frutas e verduras trazidas das chácaras de Uvaranas acompanhadas de notícias e fofocas contadas de parentes que não se davam.  Foi-se Dona Olívia que comandava um exército de mulheres que limpavam túmulos no São José.  Foi-se a Galeria de Artes da Profa. Carol, onde se trocava uma crítica de arte entre dois dedos de prosa com a proprietária. As irmãs Paczkowski não ensinam mais arte e profissão. Até as vitrines de doces e chocolates da antiga Glória, com ovos Sönksen na época de Páscoa, sumiu. Assim a cidade vai crescendo e engolindo a própria identidade, temperada com casas modernistas. Foram-se há muito a Branca de Neve com os anões da Brinquedolândia, a quarta feira de cardápio alemão na lanchonete do Tuma, o lanche no Vagão em frente da Universidade...

    E nem lembrei da chorada Catedral...

    Mas a verdade é flagrante na percepção de que a princesa é cada vez menos princesa e mais, muito mais, parecida com qualquer cidade moderna. Placas sucessivas de vende ou aluga, intercaladas de terrenos baldios transformados em estacionamento ou ocupados por farmácias. Muitas farmácias...

    De longe, a cidade é bela, ornamentada por edifícios cada vez mais altos. Mas olhando bem de perto, entre calçadas nem sempre cuidadas e trânsito cada vez mais caótico, guarda um quê de nostalgia mal resolvida.

   

7 comentários:

  1. Parece que a Pandemia, que tirou muitos das ruas, em quarentena, se aproveitou para também tirar do cenário essas preciosidades. Quando recomecei a andar por aí, me assustei com tantas mudanças. Parece que eu mudei para outra cidade. Muito pertinente seu desabafo, Carlos. Parabéns!

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  2. São tempos de mudanças meu caro Carlos.
    Ficarão nossas lembranças; restarão nossas doses de nostalgia - como essa que nos brinda aqui.
    Abraço!
    At.te

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  3. PS: Não conectou minha conta.
    ass. Antonio Marques.

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  4. Ótimo texto! Ass: Silvia Schafranski

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  5. Andando pela cidade um filme vai passando em nossa cabeça: a desaparição de patrimônios, vidas e lembranças... como um vento violento que passa e leva tudo. Ficamos com os vestígios, como um quebra-cabeças, faltando muitas peças. Seu texto é uma reflexão sobre feridas abertas da memória coletiva. Abraços!

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  6. Carlos, você foi muito feliz com esta crônica. A cidade da nossa infância ou juventude não existe mais, é uma verdade. Nada é estático, tudo sofre mutação, porém a nostalgia nasce ao ler seu texto. Nossos descendentes deixarão de conhecer muito do que nós vimos e vivemos. Por isso sua luta pela preservação de construções históricas é louvável.

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