Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada, Ponta Grossa.
Postada no Portal aRede em 15/06/2022 e no Portal CulturAção em 28/06/2022.
Nas primeiras cartas que recebi o tratamento ainda era bastante formal. Ele só se referia a minha pessoa como Doutora Teresa Cristina. Recordo que estava desesperado procurando alguém que acertasse o diagnóstico do filho mais velho.
Ao examinar aquele rapaz franzino não pude deixar de perceber que o tronco e os membros superiores se movimentavam de forma abrupta e as contrações eram muito perceptíveis.
Estranho perceber que ele caminhava de forma exageradamente alegre e fazia muitas caretas que eram intercaladas com piscadas e um tique nasal que lhe parecia convulsionar.
Nunca havia visto algo tão bizarro em minha vida, mas de certa forma havia me comprometido em auxiliar no diagnóstico, porém não havia encontrado nem um caso semelhante.
Seguimos realizando exames e trocando cartas por quase dez anos. Foi quando finalmente o chamei e expliquei tratar-se de uma doença muito rara cujo prognóstico não seria bom. Na ocasião ele entrou em negação e preferiu acreditar que já havia recebido o diagnóstico correto de outro médico. Preferiu acreditar tratar-se de Tourette.
Quando recebi a última carta na qual me chamava carinhosamente de Doutora Tuca ele noticiou que o filho havia falecido e que já não controlava seus impulsos, tendo antes se tornado promíscuo e depois inerte e acamado.
No fim da carta lamentou o ocorrido e agradeceu por todos os anos de pesquisa. De forma estranha indagou por que meus pais haviam me colocado esse nome e reiterou que infelizmente não poderia pagar meus honorários mas que eu poderia dispor dos produtos de sua pequena venda.
Foi somente nesse momento que percebi de quão pequeno pedaço de terra eu havia brotado e passei a recordar dos meus ideais de menina: liberdade, igualdade e fraternidade. Recordei que carrego o nome de um pequeno município chamado Teresa Cristina, fundado às margens do Ivaí. Diziam os mais velhos que foi o primeiro modelo de cooperativismo implementado no país e inspirado em ideais do socialismo utópico de Charles Fourier.
Ao responder a carta três pensamentos não me deixavam: um deles, o diagnóstico não aceito que me veio à mente: doença de Huntington. Outro as próprias palavras de Marx: “Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”.
Contudo o pensamento que mais me confortava é o de que o confronto da realidade com as utopias não pode destruí-las. Estas representam sonhos e realidades intangíveis que nos acalentam a alma.
Sua facilidade e sabedoria em dizer as palavras certas, seja qual for o contexto, aliado ao seu vasto conhecimento sobre assuntos diversificados, faz de você uma pessoa única! Obrigada por compartilhar conosco um pouco da imensidão de saberes, através deste texto! Parabéns!!!
ResponderExcluirPessoas como você nos inspiram a ser melhores. Texto repleto de informações de diversas áreas que se tornam coesas em poucas palavras. Parabéns pela vasta gama de informações trazidas em tão poucas palavras
ResponderExcluirExcelente texto, que aborda princípios fundamentais do exercício da profissão médica (comprometimento, humildade, compaixão) no manejo de doenças raras e intratáveis, dentro do contexto de uma das nossas regiões dos Campos Gerais. Parabéns!
ResponderExcluirParabéns, Extraordinário!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns, sensacional!
ResponderExcluirPequenos pedaços de terra também germinam médicos idealistas e humanos assim como grandes escritoras. Uma excelente crônica com a qual nos presenteia.
ResponderExcluirParabéns, cheio de conteúdo e leve de se ler.
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ResponderExcluirClareza e facilidade de leitura, parabéns !
A Ciência e a sensibilidade podem caminhar juntas. Isso podemos ver nesta crônica inspirada na prática da medicina de alguém com coração e mente enlaçados. Parabéns!
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