segunda-feira, 23 de maio de 2022

Quadro negro bordô

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, Ponta Grossa.

Postada no Portal aRede, em 01/06/2022 e no Portal CulturAção, em 02/08/2022.

Na mente imaginativa das crianças residem sonhos, desejos, anelos, quimeras. Na minha infância era comum que as meninas almejassem ser professoras, fruto da convivência com suas mestras do colégio. Os meninos sonhavam ser policiais ou bombeiros que despertavam emoção e demonstravam coragem. Nas brincadeiras de polícia e ladrão todos queriam ser os heróis. Eu sonhava ser professora e para atingir esse objetivo deveria percorrer um longo caminho de estudos. Entretanto, minha primeira profissão foi aos nove anos de idade como radioatriz das novelas da Rádio Central do Paraná, uma emissora ponta-grossense. Recebia cachê no final do mês pelos capítulos dos quais participava. Estava acostumada a ter “renda” e pagar pequenas despesas com meu próprio salário. A imprescindível independência financeira já se manifestava com tão pouca idade. Continuava atuando como atriz (até os dezessete) e frequentava o quarto ano do Grupo Escolar Júlio Teodorico. Era participativa na sala de aula da professora Sofia. Desenhava-se ali um treinamento básico para a profissão que amava. No quintal da minha casa havia uma edícula de madeira onde era armazenada a lenha que alimentava o fogão, picada a machado por meus irmãos. A mim cabia empilhá-la na parede do fundo do cômodo de nove metros quadrados. Uma pequena janela na lateral iluminava o ambiente e na frente uma providencial porta bordô. Com minha veia empreendedora vi naquele espaço um local ideal para montar uma sala de aula de reforço aos filhos dos vizinhos, do segundo ano. O bordô da porta realçava o giz branco que trazia da escola. O hábito de receber pelo trabalho desempenhado levou-me a fazer um acordo com os pais, definindo o valor das aulas que daria aos seus filhos. Considerava-me uma profissional! Aulas de português e matemática eram bem compreendidas e suas notas saíram do vermelho. Contudo, meu maior desafio foi fazê-los decorar o nome do Governador do Paraná. No seu livro constava o nome completo, Ney Amintas de Barros Braga. A confusão acontecia pois havia na região um deputado federal chamado Braga Ramos. Meus pupilos misturavam tudo e, quando eu tentava fixar o nome do governador eles respondiam: Ney Amintas de Braga Ramos. Somente “Ney Braga” teria facilitado o ensino e a aprendizagem. Dificuldade vencida, formaram-se, e hoje um deles é bombeiro.

10 comentários:

  1. Ah! Legal! Saiu a crônica daquela história que você contou no Flicampos! Empreendedora, hein?!

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    1. Sim, uma simples história da infância. Saiu a crônica sobre aquela empreendedora mirim que continua pensando em educação , mas não mais em retorno que não seja a leitura de suas histórias.

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  2. Belissima crônica, muito fluente para se acompanhar. Incrível, os hábitos da infância são fundantes. Sempre seu leitor, Sueli!

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    1. Obrigada, querido Luiz Murilo. Hábitos adquiridos na infância às vezes permanecem por toda a vida. Tê-lo como meu leitor é motivo de muito orgulho.

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  3. (Esqueci de me identificar: Luiz Murilo).

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    1. Eu leio e gosto muito das suas crônicas sempre relacionadas ao direito. Estilos diferentes mas não deixam de agregar algo a cada leitor. Um abraço.

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  4. Maria Inês Andrade Buss23 de maio de 2022 às 17:00

    Adorei.!! Parabéns

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  5. Obrigada! Que prazer, Maria Inês! Você chegou a conhecer aquele quartinho no nosso quintal?

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  6. Linda sua recordação! Nossa memória é um diário que nunca se esgota. Eu qdo menina sempre confundia o nome do governador, achava que era Braga Ramos. Parabéns pela bela crônica!

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    1. Obrigada, querida Lenita. Você superou as dificuldades escolares próprias da idade e tornou-se uma grande escritora além de executar outras artes com maestria. Um abraço.

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