segunda-feira, 30 de maio de 2022

Ouro para o Bem do Brasil

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, professora de português e inglês, Ponta Grossa.

Postada no Portal aRede em 08/06/2022.

Fui criança de 9 anos de idade, em 1964. Poderia ter crescido sabendo o que tinha sido "na real" a tão conhecida de nome Revolução de 31 de Março. Mas não.

Chegavam aos meus ouvidos tão somente os chiados do velho rádio, em que, às vezes, meu pai conseguia sintonizar até uma rádio do Rio Grande do Sul, transmitindo discursos de um tal de Brizola. Passando por outros chiados que eu detestava, vinham outros discursos de um tal de Lacerda, falando de Jango. E meu pai às vezes resmungava, assustadoramente: "Vai dar guerra."

Foi esse um dos contatos mais fortes que tive com essa Revolução. Algum tempo depois, a família se mobilizava a procurar em guardados antigos, em busca de alguma aliança de casamento ou outra joia de ouro, que pudesse ser doada para uma campanha que tinha por objetivo fortalecer o lastro-ouro da nação e valorizar a moeda nacional. Era a campanha ‘Ouro para o Bem do Brasil’.

Na ocasião, eu achava que esteve em Ponta Grossa o próprio presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, em pessoa, tal era a força da metonímia com que os adultos afirmavam que iam doar a ele o que possuíssem em ouro para salvar o Brasil. Acho que deram a aliança de meu pai, que ele não usava por trabalhar em serviços braçais.

Não encontrei no tio Google referência alguma sobre a presença de Castello Branco em pessoa em nossa cidade, promovendo essa campanha.

Pensando ter imaginado sobre a tal campanha, achei um blog interessante de um gaúcho, cheio de relatos de pessoas que caíram no engodo do ‘Ouro para o Bem do Brasil’. Tanta infância. Tantos tormentos nem sequer percebidos, que podíamos afinal vir a conhecer, mais tarde. Mas, não. Como eu disse antes, eu podia ter crescido sabendo de muitas coisas, mas não...

Sobre o destino das doações feitas pela população à campanha ‘Ouro para o Bem do Brasil’, existem notícias não esclarecidas e também abafadas sobre uma enxada de ouro de 8 quilates, valendo milhões de cruzeiros, que um fazendeiro de café de Londrina doou à campanha, que, segundo os boatos, teria sido encontrada anos mais tarde na posse da filha do próprio Castello Branco, como patrimônio da família. Todos esses pormenores poderiam ter sido esclarecidos, em tantas matérias divinamente picantes com que os jornais poderiam disputar audiência e visibilidade. Mas, não, quando a Paz custa, além de vidas, também a Liberdade.

 

10 comentários:

  1. Você tinha 9 anos em 1.964 e eu um pouquinho mais. Estamos "entregando" a idade em nossas crônicas. Em minha casa também vivemos a época que você descreveu tão bem. Ouvidos atentos ao rádio (que hoje está no que era o Museu Época), para tentar ouvir as últimas da política nacional. O nosso povo é muito solidário e, com meus pais estive na Praça Barão do Rio Branco levando o nosso ouro para o bem do Brasil. Uma crônica e tanto, Rosicler!

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  2. O ouro dos brasileiros que intencionalmente apoiaram ou não a ditadura militar que durou longos 21 anos chegou aos promotores da campanha da mesma forma que o ouro dos alemães e, principalmente, dos judeus financiou o nazismo. A história se repete, Rosicler, porém, infelizmente, poucos a conhecem para conseguir evitar os erros.

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  3. Nós, crianças da época, em nossa inocência estávamos prontas a acreditar em tudo. Hoje as fakenews, como outrora, continuam cravando suas garras nas inocências como nas ignorâncias. Quem não busca a informação, colabora com esses lobos vestidos de ovelhas

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  4. Rosicler Antoniácomi Alves Gomes30 de maio de 2022 às 15:28

    Sueli e Rogério, obrigada pela leitura e comentários.
    O comentário acima é meu, esqueci de identificar.

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  5. Eu tinha 14 anos. Meu pai emprestado era radialista e envolvido com políticos. Ele sempre nos avisou que tudo aquilo era um engodo, mas que, o futuro seria pior. Olha onde chegamos com o Brasil bem perto de virar uma republiqueta. Carlos Borges / Rio de Janeiro

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  6. Camila Alves Gomes Borck31 de maio de 2022 às 05:49

    Excelente Crônica, como sempre perspicaz! É uma pena que a Rosicler de hoje não estava lá para evitar esse "furto" em sua família! Hehe certamente estaria abrindo os olhos de muita gente da época!

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    1. Rosicler Antoniácomi31 de maio de 2022 às 11:18

      Naquela época eu não era perspicaz nem para escapar das lorotas das irmãs mais velhas. Kkkk caía em todas.

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  7. Obrigada, Carlos, pela leitura e comentário. Precisamos trazer à luz o passado, para que possamos construir o futuro, pois os oportunistas e os malfeitores não dormem.

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  8. Eder Carlos - Ponta Grossa3 de junho de 2022 às 12:24

    Na época, a imprensa não podia publicar o que queria pois estava sob censura. Só o que as autoridades autorizavam é que era publicado. Com certeza não autorizavam nada que fosse contrário ao governo.

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    1. Verdade. Eu provavelmente teria que responder por meu atrevimento...

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