segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Campinho de saibro

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, residente em Ponta Grossa.

 

 Lida na Rádio Clube em 04/02/2022, postada no Blog da Mareli Martins em 04/02/2022 e no Portal aRede em 16/02/2022, publicada no Diário dos Campos em 15/06/2022.


Onde hoje é o Ginásio de Esportes Oscar Pereira, antigamente, mas não muito, era um campinho de saibro. Sim, um pequeno campo de futebol, de areia compacta e dura, quase como pedra.

Muitos jogos aconteceram ali. Que eu saiba, nenhum profissional saiu destes embates, mas éramos todos craques. Jogávamos quase todos os dias em que o clima nos permitisse, nós contra nós mesmos, ou contra garotos de outros bairros.

As traves, feitas de tijolos, furtivamente adquiridos de construções ou demolições próximas, raramente eram guardadas por goleiros. Eram afastadas de cerca de um passo do maior de nós. Todos jogavam na linha, todos atacavam, todos defendiam.

Chuteiras? Nem pensar. Quando muito, usávamos o famoso Kichute, que, além de encardir meias e pés, proporcionava um odor bem característico que nossas mães sempre lutavam para remover nos banhos pós jogos.

Onde hoje termina a rua João Alfredo, era um “calipial”. Eucaliptos enormes, que proporcionavam sombra para o descanso dos intervalos das partidas, que geralmente virava em 5 e terminava em 10 (gols). Quase sempre, os jogos acabavam em 10 a 9, 10 a 8, raramente com placares muito elásticos.

Mas, não era apenas um campinho. Era um outro planeta, quando nós, travestidos dos personagens de Jornada nas Estrelas, nos aventurávamos com nossos “faser’s” de madeira pelo universo. Era um país longínquo que deveríamos tomar de assalto com nosso exército, munidos de espingardas de cabo de vassoura. Era ainda um palco de brincadeiras infinitas, com a turma toda, ou com apenas dois ou três de nós, como esconde-esconde, pega-pega, polícia-ladrão, ou ainda com nossos carrinhos de plástico, onde cidades inteiras, com estradas, túneis e pontes, foram construídas para nosso deleite.

Raramente íamos até lá à noite, pois nos foi dito que ali fora um antigo cemitério, onde algumas almas penadas pairavam sob o campinho, e pegariam qualquer criança que ali ousasse entrar sob as estrelas. Hoje vejo que havia um conluio entre nossos pais, para nossa própria segurança.

Aqueles moleques, agora dentistas, advogados, trabalhadores, escritores, pais, avôs, não depuseram o Capitão Kirk, sargentos, capitães, soldados e motoristas, além dos craques que ali viviam. Apenas o nosso espaço foi transformado. Para melhor? Certamente, para Ponta Grossa; mas para nós, não.

 

13 comentários:

  1. Lindo texto. Parabéns! Continue sempre escrevendo!

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  2. Bem-vindo ao grupo, Mário Pavelec! Você descreve muito bem como eram as brincadeiras no campinho de saibro daquela época. O sistema usado pelos meninos, vira em 5 e acaba em 10, hoje provoca risos. Meu avô, Pedro Buss era dono de várias casas naquela rua e sempre que os visitávamos, a sombra dos eucaliptos era o local mais procurado por mim e pelas primas para nossas brincadeiras.A rua sem saída dava tranquilidade aos pais quanto à segurança das crianças. Parabéns e continue escrevendo textos tão agradáveis.

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  3. Muito bom seu texto Mário. Continue escrevendo.

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  4. Gostei do texto, tenho 29 anos e provavelmente integro uma das últimas gerações que cresceu jogando bola na rua e em campinhos (no meu caso não aqui e sim no interior do interior do Paraná), era tal como descreve o texto. Parabéns.

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  5. Rita Mara de Freitas Vieira Psicopedagoga e prima 🎈24 de janeiro de 2022 às 15:30

    Esse texto realmente retrata a leveza dos tempos nem tão antigos, que nos davam muita alegria e cultivavam nossos sonhos..
    Mário.... Vc me representa

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  6. Mário, como é bom recordar os tempos em que um pequeno mundo valia por vários mundos, como se múltiplas dimensões ousassem ocupar o mesmo espaço físico. Não joguei bola em campinho. Dos caminhos eu apreciava os "carreiros" que singravam os vastos 50 metros de lotes baldios, por entre bosques e florestas de touceiras de capim, por onde minha imaginação cavalgava... Ao menos até tropeçar em armadilhas de nós , a propósito para causarem tombos em sonhadores incautos.
    Gostei dessa dimensão dos túneis e avenidas do seu campinho.

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