Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa.
Publicada no Correio Carambeiense em 29/05/2021 e no Diário dos Campos em 10/11/2021, postada no Portal aRede em 1º/06/2021 e no Portal D'Ponta News em 19/06/2021.
Imigrantes do Volga na Argentina, a família de Dorothea
Luzia Scheiffer Knapp, minha avó “Nhata”, veio para uma colônia de
alemães-russos, em Palmeira. Desiludiram-se com as condições da colônia e acabaram
retornando para a Argentina, mas ela ficou aqui, pois já estava casada com meu
avô Alvídio Knapp.
Tornou-se uma pessoa só, quase eremita, tomando conta do
sítio, enquanto meu avô passava dias e dias fora de casa, por uma obsessão de
andarilhar. Vinha do Taboleiro, distrito de Guaragi, para Ponta Grossa, a pé,
utilizando trilhas por entre as fazendas, parando em algumas, onde tinha
conhecidos, como a dona Ambrozina, que o acolhia para tomar um “prato de leite
com farinha de milho”, e às vezes pousar no paiol de sua fazenda, na região de
Roxo Roiz. Ia para Porto Amazonas, passando por Restinga Seca, onde nascera, e
para Araucária, onde também tinha conhecidos do tempo em que fora cozinheiro da
tropa.
“Nhata” tinha uma horta e um pomar, mas isso não parecia
ter muita importância para ele. Quase não havia flores, pois ele não se
importava com elas. Andarilhava, enquanto ela, depois que os filhos casaram,
ficava, noites e noites seguidas, sozinha em uma casa mal acabada, sem pintura,
sem vidraças, apenas com folhas de madeira para fechá-las, iluminada por um
lampião de querosene, o que a tornava ainda mais lúgubre. O mato crescia tão
próximo que mal podia ver as estrelas, que para ele, em suas “tropeadas sem
tropa”, eram guias; mal podia se encantar com o luar que iluminava os caminhos
dele, pois só o via passando por frestas na parede, enquanto, amedrontada pelo
escuro da solidão, se recolhia para dormir com as aranhas em teias que pendiam
do teto.
De dia, ela se encantava com o jardim de copos-de-leite,
que se espalharam por conta própria, debaixo da janela de sua cozinha, em
abundância, como dons devolvidos pelo espírito da natureza, em gratidão pelos
“restos” ofertados, sem a menor intenção, pelo espírito humano, despreocupado.
Aquela terra era constantemente regada pela água da louça lavada em uma gamela
de madeira tosca, conduzida por uma canaleta escavada para um buraco na parede,
indo parar no jardim dos copos-de-leite, que também não tinha importância para
o andarilho, caminhando pelas trilhas que o presente roubara do passado,
somente para os seus passos livres, despreocupados. O seu andarilhar, tão importante
para ele, não foi importante para preservar a saúde de quem ele amava, a seu
modo.
Uau, Rosicler! Que texto lindo! Ao lê-lo parece que estou diante de uma tela pintada a óleo. Os copos-de-leite precisam de muita água e sua avó deu, na lavagem da louça, o seu alimento. Enquanto floresciam o seu avô caminhava, tomando pratos de leite sem conhecer os copos-de-leite da própria casa.
ResponderExcluirAmei a sua percepção das imagens! Obrigada!
ExcluirEscrevi com pesar esta crônica. Queria muito que ela fosse apenas registro de realidades constantes na vida de muitas mulheres de um tempo que passou. Queria muito que eu pudesse apenas separar as belezas para registrar, e deixar nas dobras do tempo, as dores. Não se trata de demonizar aquele que apenas deu-se o direito de escolher a liberdade, pois essa escolha é o mais sublime dos direitos. Mas em vidas interligadas, belezas e dores criam raízes nos espíritos que as presenciaram, e seria uma omissão culposa engavetar as tristezas.
ResponderExcluirAdorei o texto! Parabéns !!!!
ResponderExcluirLindo texto , lembrei da minha vó com suas gamelas onde fazia farinha de mandioca e também tinha em seu jardim copos de leite ... Qta saudade me trouxe !!! Parabéns .
ResponderExcluirParabéns.Belo texto!
ResponderExcluirLindo texto Rosicler! Que descrição! Viajei aos meus tempos de infância quando frequentava a casa do nonno e da nonna no interior do Paraná. Parabéns!
ResponderExcluirUm texto familiar garimpado de suas lembranças. É nostálgico é uma bela história contata através de uma crônica. Belo texto amiga Rosicler, parabéns.
ResponderExcluirO texto é singelo e retrata com profundidade a saga destes "aventureiros", sofridos imigrantes, que por aqui e acolá se instalaram... "Um jardim de copo-de-leite" trouxe-nos também, como alento, a arte de nos comover: que sina, hein! E ao mesmo tempo nos encanta com o, simplesmente, belo das flores... Parabéns, Risecler!
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