segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A gralha que queria ser menina


Texto de autoria de Alfredo Mourão de Andrade, ator e aposentado do Serviço Público Municipal de Ponta Grossa nas áreas de teatro e literatura.

Publicado nos portais aRede em 10/02/2020 e Clic Navegantes em 12/02/2020 e no Diário dos Campos em 04/03/2020, lida no programa CBN Esportes - Ponta Grossa em 14/04/20.


          Azulada acordou àquela manhã de outono cheia de ideias azuis. Manhã de nevoeiro nas terras do Paraná. Logo, logo, o sol mostrou sua carona brilhante, iluminando as araucárias e os Campos Gerais. Árvores gigantes de longilíneos braços abertos – querendo abraçar o sol - despertavam felizes da vida, pois as gorduchas pinhas marronzinhas, agarradas aos galhos mais altos, estavam prontas para explodir em deliciosos pinhões. Azulada grasnava... E sua cabecinha de gralha azul curiosa matutava: - “Pinhões!... Uauuuuu!... Gordinhos!... Gostosinhos!”
          Como sempre fazia, voou pelos campos ondulados a perder de vista, pelos capões de cambuís e suas frescas fontes d´água, onde a passarada se refrescava. De olho neles, a cobra d´água, que se escondia, onde também bebiam o lobo-guará, a onça pintada, o porco-do-mato, a jaguatirica...
          Um tufo de fumaça subia do Capão da Ponta Grossa, onde os últimos tropeiros tomavam perfumoso café mexido com tição de brasa, ovos mexidos, torresminho frito, virado de feijão com linguiça. – ‘Hum! Parecia delicioso!’
          Azulada parecia menina faceira naquela manhã de outono, saracoteando, bisbilhotando e cantando entre as árvores. Então se lembrou da doceira Nhá Maria, moradora do Vale do Tibagi, e seus tachos fervendo gostosuras de abóbora, marmelo, banana... – ‘Hum! É de lamber o bico!’
          A gralha de ideias azuis sonhava. Sonhava em ser uma chinoca. Vestido longo de babados – em tons de azul, é claro. Uma flor vermelha nos longos cabelos pretos. Só pra saborear aquelas gostosuras. Só pra dançar nas animadas festas de São João. E ouvir as histórias cabulosas contadas por Nhô Juca: o tesouro da Pedra Grande de Itaiacoca; Itacueretaba, a cidade que virou pedra; o fogo de Minarã que queimou quase tudo nos Campos Gerais; as casas assombradas; as visagens dos caminhos; os boitatás... Mas Tupã, o grande deus, reservou a ela outra missão: plantar a natureza do Paraná. 
          Entre idas e vindas, o sol se foi e a noite chegou. Hora de passarinho se proteger e não ficar perambulando por aí.  Mas Azulada era assim curiosa.
          E lá do alto do céu, onde brilhavam as Três Marias, Tupã divertia-se com aquela gralha tão especial, feito gente, cheia de histórias azuis.

4 comentários:

  1. Lindo demais!!Parabéns ALFREDO MOURÃO pela belíssima página literaria.
    Amei saber de seus dotes literarios.
    Aguardo novas crônicas.


    .


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  2. Crônica muito linda.
    Já lí várias vezes.

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  3. Gostei muito da Azuladinha.
    Gostei mais ainda ao saber que é da autoria de um ex- aluno,Alfredo Mourão.

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