Texto de autoria de Marivete
Souta, Professora, Ponta Grossa.
Publicado no Portal aRede em 27/11/2019.
—
De que família você é? — a pergunta vem de uma senhora bem vestida, pele alva, aparentando
uns 70 anos, que parece ter sido pinçada de 1985, época em que cheguei por essas
plagas. Sabores, imagens, cheiros, sons podem nos remeter ao passado. Palavras
também. Essas fizeram-me voltar no
tempo.
Eu
contava 16 anos. Estava tão longe dos amigos! Viemos aos Campos Gerais por
necessidade. Era a última chance de papai, que perdera tudo com negócios
malsucedidos numa pequena cidade do oeste do Paraná. Estranhei tudo aqui. Era
uma cidade austera, eu diria que era carrancuda, nada simpática, principalmente
para os recém-chegados.
Àquela
pergunta vinham adicionadas muitas outras do tipo: “Você tem posses? Teu
sobrenome é de alguma família tradicional? Você é um vira-lata ou tem
pedigree?”.
Ser
da família tal era ser rico de berço, ser naturalmente chique numa Ponta Grossa
que não existe mais. Naquele tempo, a
maioria dos ricos era de famílias tradicionais, com sobrenomes pomposos, talvez
até com títulos nobiliárquicos.
Até
a tal família tradicional, que vira e mexe renasce das cinzas na célebre frase “temos
que valorizar a família tradicional”, não existe mais. Afinal o que é ser de família tradicional em
tempos modernos? O formato da família mudou, temos muitas famílias que não
seguem mais os padrões: pai, mãe e filhos. Assim também os sobrenomes que traziam em seu
bojo uma herança de “ser de berço”, hoje já não têm importância, pois o grosso
do dinheiro está nas mãos dos novos, e pouquíssimos, ricos.
Hoje
quase não ouço essa pergunta e, quando isso acontece, sempre vem de um retrato
do passado. Novas personagens entraram
na nossa história, na minha e desta cidade. Transformamo-nos, tanto ela (a
cidade) quanto eu. Ela cresceu em extensão e essência, assim como eu que também
cresci, me conheci, me reinventei. Adotei como minha a Princesa dos Campos
Gerais, que abriga uma natureza exuberante que traz visitantes de todos os
lugares. Aqui criei raízes. Nesses Campos, transmutei-me em poesia.
Abruptamente,
outras palavras me trazem de volta a 2019.
—
Eu sou da família tal...
Em
respeito às suas cãs, sorrio e sigo meu caminho. Há identidades tão arraigadas que
nem mesmo o tempo, nem mesmo a morte da aristocracia faz mudar o modo de
pensar. Talvez, aquela senhora não
entenda que o glamour genuíno está na simplicidade, nas atitudes generosas, na
empatia, na luz própria capaz de iluminar outrem... Que o “chique” mesmo é ser
feliz.
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