segunda-feira, 27 de maio de 2024

Teorema de Pitágoras

Texto de autoria de Márcia Derbli Schafranski, professora universitária aposentada, Especialista e Mestre em Educação pela UEPG e Suficiente Investigadora pela Universidade de Extremadura, na Espanha, residente em Ponta Grossa.

Numa pequena fazenda situada em Ivaí, juntamente com sua família, vivia um agrônomo que cultivava a terra e criava pequenos animais. Quando a filha mais velha, Laura, terminou o curso primário, ele e a esposa acharam por bem que ela fosse morar com os avós em Ponta Grossa, para dar continuidade aos estudos. A princípio, a menina relutou, pois estava acostumada à vida no campo, a assistir ao pôr do sol, refletido nas águas do pequeno lago da fazenda e ao convívio com os irmãos menores. Finalmente, foi convencida, sob a promessa de poder passar todos os finais de semana na fazenda.

Após sua aprovação ao ginásio, foi matriculada num colégio religioso pertencente às Irmãs Servas do Espírito Santo, por ser próximo da casa dos avós, que moravam à rua Júlia Wanderley.

Era uma aluna inteligente e aplicada, sempre obteve boas notas. Mas, para ela e suas colegas, a matemática tornou-se um suplício. Não conseguiam entender, dentre outros conteúdos, as equações de segundo grau e muito menos o Teorema de Pitágoras, cuja utilidade o professor nunca explicou. Laura, procurava decorar fórmulas e enunciados, sem saber exatamente onde iria aplicar.

O professor parecia entender muito da matéria, mas não tinha a mínima didática. Entrava na sala, mal cumprimentava as alunas, fazia a chamada e logo escrevia na lousa o conteúdo do dia. Falando sem parar, mandava-as anotar o que falava e escrevia, sem ao menos perguntar se estavam entendendo o que ele se propunha a ensinar.

As meninas ficavam estáticas nas carteiras, e ai de quem ousasse se manifestar. Se acaso se mexessem ou virassem para os lados, o professor atirava nas suas cabeças o giz que tinha nas mãos e em voz solene dizia: número, menina? (queria saber o seu número na chamada, pois, não se interessava em saber o nome de ninguém). Anotava os números no final do quadro-negro, para que ficassem de castigo, permanecendo na sala de aula por mais quinze minutos após o horário da saída oficial.

A duras penas, Laura conseguia tirar a nota mínima para passar de ano, pensava, por vezes, que seus neurônios estavam “enfraquecendo”. Finalmente, terminou o Curso Ginasial e livrou-se definitivamente da matemática. Queria ser professora e no Curso Normal, as disciplinas eram voltadas para a formação humanística e pedagógica.

No entanto, sem saber o porquê, às vezes, surge-lhe à mente o velho enunciado: o quadrado da medida da hipotenusa é igual à soma dos quadrados das medidas dos catetos.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

A fila dos filhos

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

No coração do Bairro de Oficinas, onde as ruas estreitas se entrelaçam como veias pulsantes, há uma sinfonia peculiar que embala os dias e o fim das tardes: o riso contagiante das crianças que diariamente adentram os colégios, inundando o ambiente com uma energia única, irreverente e cheia de vida.

Naquele típico dia de escola, sob o sol escaldante que teimava em derreter as calçadas, adentrei na multidão de mães ansiosas que aguardavam na fila pela saída dos filhos. Enquanto me posicionava na espera interminável, não pude evitar um pensamento inquietante: quantas filas teria ainda que enfrentar por meus filhos ao longo da vida?

Mas então, como uma epifania, veio-me à mente algo divino, algo que transcende todas as filas dos filhos: a sensação indescritível que todas as mães experimentam ao conhecer seus filhos pela primeira vez. Aquela ansiedade misturada com felicidade inigualável, que ecoa além do tempo e das circunstâncias.

Ah, recordar daquela sensação indescritível que inundou meu ser na chegada do meu filho à Santa Casa de Misericórdia em Ponta Grossa, é como reviver um daqueles momentos que se perpetuam na memória como uma obra-prima da vida. Trago em mente vívidos flashes da competente médica obstetra Ana Paula Ditzel, cujo jargão ressoa nos corredores do hospital: "só crianças lindas nascem com ela". E ao lado dela, o fabuloso pediatra Dr. Adalberto Baldanzi, cuja dedicação e cuidado eram como um bálsamo para a alma aflita dos pais.

Foi ali, naquele santuário de vida e esperança, que testemunhei o milagre do nascimento, onde a dor se transforma em êxtase, o medo em coragem, e a incerteza em fé inigualável. Sob o olhar atento e carinhoso da equipe médica, meu filho veio ao mundo, envolto em um manto de amor e cuidado que apenas mãos tão habilidosas poderiam proporcionar.

E naquela fila infernal eu compreendi, que não importa como os filhos cheguem até suas mães, se por vias naturais ou adotivas, se com lágrimas ou sorrisos, o que importa é aquele momento de encontro, aquele instante mágico em que mãe e filho se reconhecem e se fundem em um vínculo eterno.

É como se cada reencontro fosse um eco daquele primeiro momento, uma ressonância daquele amor incondicional que transcende o tempo e o espaço. E é essa certeza, esse sentimento indomável que guia cada mãe através das inúmeras filas dos seus filhos e desafios que a vida lhes impõe.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

O quinze de abril

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.

          Eu já não era mais criança, mas “sérios” compromissos de adolescente não me impediram de acompanhar meu pai, num determinado 15 de abril, ao pinheiral do primo Valdo, no distrito de Guaragi, na localidade rural de Taboleiro. Nessa ocasião, que já ficou mais de meio século no passado, adentramos uma bela floresta de araucárias produtivas, prontas a obedecerem à lei do 15 de abril, que despejavam de suas fecundas pinhas maduras os polpudos pinhões.  Segundo Avelino Antoniácomi, meu pai, as araucárias do pinheiral do Valdo jamais negaram sua fidelidade a essa lei, de forma que também ele (ainda um solteiro agricultor, ou já um ferroviário, casado, pai de sete crianças, em férias, ou mais tarde, desfrutando da aposentadoria na chácara do Taboleiro), sempre que possível, lá estava, no pinheiral do Valdo, recolhendo num cesto as sementes que as gralhas não enterraram, que os bugios não comeram no alto do pinheiro, que a ventania acabara de debulhar das pinhas. Antes do 15 de abril, era possível encontrar pinhões, apenas em um certo local, onde vicejavam algumas araucárias conhecidas por Pinheiro de São José, assim nomeadas porque suas sementes costumavam debulhar aos poucos desde o dia 19 de março, Festa de São José, mas eram sementes mais miúdas e não tão macias como as que obedeciam à lei do 15 de abril. O confiante Avelino garantia que antes do 15 de abril os polpudos pinhões de uma certa espécie que abundava naquela floresta não estariam no chão, mas nesse dia, era preciso disputar seara com os porcos, “obviamente” também conhecedores da obediência das araucárias do Valdo.

          Recordo-me com clareza do 15 de abril em que tive uma prova da proteção divina. Nosso pai era um grande valente medroso, que nos preservava de sustos com os porcos comedores de pinhões, ou com os bugios no alto dos pinheiros, mas eu já não era criança, naquele dia, em que as filhas “mais velhas” que quiseram acompanhá-lo, tiveram permissão.

 A um “craque”, diferente dos “craques” produzidos por nossos tênis quebrando gravetos no chão, instintivamente, dei um pulo para trás, e exatamente no ponto de onde pulei para trás, despencou um robusto e mal-intencionado galho de araucária; o anjo da guarda, a quem eu até já perdera o hábito de pedir proteção, agiu prontamente, impedindo um desastre, que nada tinha a ver com os temidos fuçadores. Com a fé restabelecida, sem medo, segui adiante na coleta dos pinhões. Apenas apurei meus sentidos, e concentrei-me nos avisos da Natureza.

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Abrindo a página

Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.

"Àqueles que partilham desta forma bibliófila de voyeurismo e que em um dia distante encontrarão esta crônica."

Você abre o livro e desaparece no cosmos enigmático e arrebatador que está de tocaia em suas páginas. Não me refiro ao enredo, por mais aliciante que seja, mas a uma dobra anterior deste multiverso, o maquinário de urdir mistérios que são as dedicatórias.

Há livros que valem pela dedicatória. A eloquência de quem dedica – certamente impulsionada por fomes interiores que o inspiram – supera a do autor do livro-objeto, que o escreveu burocraticamente, de ânimo frio, para lançá-lo ao mercado e pagar o condomínio. A dedicatória certeira ilumina o livro fraco, mas a dedicatória de estilo tropeçante em nada macula o livro bom, antes passa a integrá-lo, talento do autor (do livro), potência anímica do autor (da dedicatória) alinhando-se, verso e anverso da mesma obra, escrever mal com o sentimento do escrever bem.

Nas bibliotecas públicas de Ponta Grossa, o dedicatorismo – inventei o nome, mas não o movimento – é praticado com frugalidade. Livro que se ganhou e rejeitou não é para ser doado e sim para ser trocado ou vendido, bem baratinho, nos comércios próprios. Constelações de dedicatórias, arquipélagos de dedicatórias, plêiades, matilhas, falanges de dedicatórias vicejam nos livros vendidos nos sebos da cidade, vertidas em todos os estilos. Pedagógico: "que aprenda muito no curso de..."; açucarado: "com afeto do..."; doméstico: "para minha filha, no aniversário de..."; vidente: "essa noite sonhei que vamos..."; poético-ecológico: "o mar, as estrelas, os passarinhos"; irônico: "caso saibas ler..."; filosófico (é o estilo açucarado ou o vidente, mas citando autores para reforçar as segundas intenções) e a seguinte pedrada com sutileza, datada e tudo: "Para a D. Silvia, com respeito, mas com esperança. Luis Fernando, 1954". (LF foi cirúrgico e, se algum familiar entrar em contato dizendo que funcionou, faço crônica, mas o livro estar no Sebo sugere o contrário.)

Apreciar dedicatória é lançar um olhar que devassa o interior de quem olha. Há quem evite escrevê-las, contando sua história antes da história propriamente dita, alegando o temor de um dia encontrar o livro, com sua caligrafia, seu nome e sua boa vontade, na liquidação da rede Espaço Cultural ou no Sebo Pantera. Temor vazio, que esconde um outro, mais nocivo, o medo de viver.

Heróis não morrem, são apenas esquecidos

Texto de autoria de Reinaldo Afonso Mayer , professor Universitário aposentado, Especialista em Informática e Mestre em Educação pela UEPG, ...