segunda-feira, 8 de abril de 2024

Lembranças e pessankas

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 10/04/2024

Era minha época favorita: época de Páscoa. A casa estava envolta em uma energia de renovação e esperança. Enquanto retirava as caixas de decorações dos armários, o Cristo, os coelhinhos de pelúcia ressurgiam e em meio a diversos utensílios de Páscoa, as minhas mãos encontraram um tesouro esquecido com que eu havia sido outrora presenteada por minha falecida avó: um ovo pintado à mão.

Nascida em Prudentópolis, em meio às colinas ondulantes do interior do Paraná, na pequena cidade imersa na riqueza cultural dos imigrantes ucranianos, Dona Joana carregava consigo as memórias e os costumes de sua terra natal. Contudo, foi em Ponta Grossa onde fixou raízes e constituiu família.

Anualmente, por ocasião da Páscoa, Dona Joana fazia uma jornada de volta às suas origens em Prudentópolis. Não apenas para visitar sua terra natal, mas também para realizar um ritual especial: "benzer Páscoa", como diziam os mais velhos, seguindo os ritos ucranianos.

A viagem de Dona Joana para Prudentópolis era mais do que uma simples jornada; era uma peregrinação de resgate de suas raízes e identidade. Ao chegar, era recebida com sorrisos calorosos e abraços afetuosos pelas irmãs, pelo sobrinho Asternon, pelo amigo Quinho e pela comunidade. Os dias que antecediam a Páscoa eram preenchidos com preparativos meticulosos.

A antiga igreja ucraniana era o cenário das cerimônias. Dona Joana, vestida com seu traje típico, entoava cânticos ancestrais e benzia os alimentos. Sob seus cuidados, os ovos eram decorados com símbolos que contavam histórias milenares, enquanto o pão ritualístico, o paska, era assado com devoção.

Durante a ceia pascal, a mesa transbordava com uma profusão de iguarias: o kielbasa defumado, o delicioso holubtsi (repolho recheado) e a sopa borsch, cujo aroma permeava o ambiente. E, claro, não poderiam faltar os ovos pintados, cada um contando uma história única de esperança e renascimento.

E no universo daquela pessanka pascoal, quantas lembranças... As cores vibrantes traduzindo renovação. Cada linha, cada curva externada deixa transparecer as nuances de uma história de conflitos internos e externos, de desejos reprimidos e esperanças renascidas.

A pessanka em minhas mãos, marcada pela dualidade, pela tensão entre o claro e o escuro, o bem e o mal, o passado e o presente.

E, em cada ovo pintado à mão, há uma busca incessante pela redenção, uma tentativa de superar os obstáculos que impedem o florescer da alma.

6 comentários:

  1. Vera Lucia kanawate8 de abril de 2024 às 08:17

    Belíssima crônica nos trazendo uma recordação cheia de amor!!!!!

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  2. Parabéns
    Linda crônica, regada de recordações que com certeza deixou em você emoções muito fortes.

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  3. Nesta crônica você descreve o belo cerimonial usado pelos ucranianos na época pascal. Feito com muito carinho (as pessankas comprovam) devoção e fé. Me emociona a bênção dos alimentos. Parabenizo-a pela excelente redação, pelos contornos que deu à sua narrativa e pelo tema escolhido, Silvia.

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  4. Texto adorável! Sempre tive interesse em conhecer mais as tradições ucranianas, muito presentes, mesmo nos dias de hoje, nesta região do Paraná, especialmente nas danças típicas. Mas as pessankas parecem conter um mistério naqueles traços, e isso fascina.

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