Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.
Minha mãe não perdia liquidação de
retalhos das Casas Reunidas, Casa dos Milagres, ou Casa Íris. Na minha
infância, os retalhos ficavam guardados em um baú, e, mais adiante no tempo, na
parte debaixo de uma estante que eu mesma comprei — depois de pagar as prestações
do meu primeiro relógio de pulso, e de minha cama com colchão de espuma (minha antiga
era cama de molas, já sem as molas, e o colchão de palhas). Cama, colchão e estante,
“tirei no crédito” nas Casas Blanc, onde eu já trabalhava como auxiliar do
auxiliar de contabilidade. Nunca me ocorrera que ter crédito na loja que me
dava emprego podia significar, nas entrelinhas, que eu não estava na lista
negra do Setor de Recursos Humanos...
Eram tão longos os dias e tão empoeirados os palcos das brincadeiras, na minha infância! Com seis filhas e um filho, Jandira — minha mãe, minha costureira, minha advogada em negociações com o pai, ou entreveros com as irmãs (ainda conto, dia desses, os bullyings “inocentes” que me faziam) —, se virava com trabalhos árduos, “malmente” auxiliada pelas irmãs mais velhas, lavando roupas no tanque com água tirada do poço, assando grandes formadas de pães, cuidando da horta. E ainda achava tempo para costurar nossas roupas, sempre em manequins maiores e com tecidos resistentes, para durarem mais tempo e ainda ficarem inteiros para a “segunda mão” das crianças mais novas. Cada uma das crianças tinha duas ou três “mudas” de roupas, incluindo a “domingueira”. Mas “eram tão longos os dias (...)”, que certa vez eu simplesmente não tinha roupa limpa para ir à escola. O uniforme escolar daquela época não era mais que um avental amarrado nas costas com um laço. Se eu aparecesse na escola apenas vestindo o avental, seria um escândalo. Sem titubear, ela deixou as panelas no fogo aos cuidados de uma das outras filhas, tirou do baú um retalho que dava para costurar rapidamente um vestido com alças, com uma parte da costura interrompida na altura da cintura, para que passasse facilmente pelos ombros, sem precisar de botões ou zíper, com bainhas simples nas barras. Eu, ao lado, vestida escandalosamente apenas com o avental sem amarrar o laço, mal cobrindo a calcinha (milagrosamente parece que eu tinha uma calcinha limpa naquele momento), esperando para enfiar o vestido e sair correndo pela Rua Franco Grilo, em direção ao Grupo Escolar Jesus Divino Operário.
Ah, terminei hoje de customizar uma saia para servir à personagem Mirabel, com retalhos que também tenho guardados...
Rosicler, que delícia de texto! Eu vivi experiências iguais às suas com a mãe polivalente que quase todas as crianças da nossa época possuíam. Ao ler seu texto foi como ver um filme, resgate de uma memória afetiva que não se apaga.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário, Sueli. São momentos tão singelos, que ficam meio esquecidos, guardados bem por baixo das cinzas do tempo... Por sorte temos este projeto como um assoprador de brasas.
ResponderExcluirNossas mães sempre foram, de uma forma ou outra, heroínas. Mais um texto primoroso.
ResponderExcluirRosicler, quero ler a crônica que está nas entrelinhas de seu texto, a que narra a aquisição do primeiro relógio. Lendo o trecho pensei em como esse assunto se presta a crônicas, pois eu e tantos outros também temos histórias a respeito (e possivelmente sou da última geração a não sair de casa sem relógio de pulso). Se você ainda não escreveu, escreva, pois terá leitor!
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