Texto de autoria de Silvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.
No dia em que desembarcou no Rio, aos cinco anos de idade,
ladeado por seus doze irmãos e trazendo consigo apenas a roupa do corpo, ele
não imaginava que passaria a construir, nos próximos anos, também a nossa
história.
Cena pungente: minha bisavó descendo do navio com a
filharada atrás, em escadinha e sem nenhum tostão. Ironicamente, Tostão foi o
nome do terceiro cachorro de meu avô, que, já homem-feito, fixou residência na
cidade de Ponta Grossa, em época coincidente com a chegada dos trilhos.
Seus bem vividos noventa e oito anos me levaram a refletir
sobre o paradoxo da velhice em um universo da longevidade. Outrora não era
degradante ser idoso. Cabelos brancos eram reverenciados como símbolo de
sabedoria. Os anciãos eram os guardiões da história, detentores de tradições e
conselheiros sábios da comunidade. No entanto, em contraste com o atual
paradigma da longevidade, a exclusão das pessoas idosas parece ser uma sombra
onipresente.
O falatório dos jovens e
imposições da mídia revelam que ninguém mais quer envelhecer, até mesmo
marginalizando os idosos. A luta pela juventude eterna transforma a velhice em
doença. O culto à juventude parece estar enraizado em nossa cultura.
Os Campos Gerais deram oportunidades para imigrantes,
muitos deles analfabetos, e que, entre inúmeras dificuldades, construíram uma
vida digna para as próximas gerações. Os chamados "velhos" foram
criados sem quaisquer regalias ou conforto. Casamentos duravam até a viuvez e
os utensílios eram reaproveitados e passavam entre gerações. Brinquedos eram
raros ou improvisados.
A comunicação era lenta e as pessoas se reuniam para tocar
instrumentos musicais ou para ouvir rádio. Patife era palavra temida e as
questões de honra eram decididas “na bala”. Assim contava meu avô, ao exibir os
sinais de perfuração no crucifixo de madeira que lhe havia salvado a vida em
uma desavença em honra da filha mais velha.
Esse saudoso universo era composto por pessoas que tinham
fome de vida e que relutavam em morrer. Daí por que insistia ele em não
compreender Getúlio. Viúvo aos quarenta anos, com três filhos para criar, não
deixou que o luto também o levasse, preferiu recomeçar. Conheceu minha avó, com
quem teve mais uma filha e que abraçou sua prole como própria.
Os Campos Gerais dos idosos abraçaram homens de palavra, de
negócios realizados no “fio do bigode”.
Foram verdadeiros homens sobreviventes da escola da vida, lapidados com
os mais inestimáveis valores.
Uma excelente reflexão, trazendo-nos à lembrança inúmeros exemplos de honradez, coragem e resiliência.
ResponderExcluirParabéns Silvia! Os nossos “velhos” fizeram história e que honra poder partilhar essas mesmas histórias dignas de respeito e admiração! Lamentável o descaso que a nova geração pelos nossos “velhos” justamente por não terem conhecido o que era valor de verdade
ResponderExcluirÓtima reflexão sobre o tema. Parabéns!
ResponderExcluirEnvelhecer é uma dádiva. envelhecer é uma arte!!! Excelente reflexão!!!
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