segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Alvaiade e sibipiruna

Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal TánoTipo em 27/09/2023, no Portal aRede em 11/10/2023, e publicado no Diário dos Campos em 20/09/2023.

Após alguns dias de chuva intensa na cidade e, contrariando as previsões de repetição do evento, surpreendo-me com um lindo domingo de sol e de calor já anunciando a primavera. Uma manhã de céu azul convida a um passeio a pé pelas ruas de nossa Princesa dos Campos, que em poucos dias completará 200 anos.

Memórias de um passado distante se tornam quase reais, quando passo diante do rosado Colégio Júlio Teodorico, onde iniciei e concluí as primeiras séries do curso primário como era denominado à época. A árvore de folhas verde-azuladas que enfeitava o jardim com suas flores amarelas e miúdas, de textura aveludada e delicada, ainda está lá, testemunhando a história. Provavelmente é uma sibipiruna, espécie brasileira da Mata Atlântica, segundo o escritor Mário Francisco Oberst Pavelec em conversa recente que tivemos sobre o tema.

Nesta mesma época do ano, de desfiles cívico-militares e pelo aniversário da cidade em 15 de setembro, os professores preparavam tudo para o desfile. Algumas semanas antes da data, saíam com os alunos pelas ruas próximas para ensaio da marcha. Era comum ver pelotões de alunos, ao som de instrumentos de percussão, treinando seus passos para fazer bonito na avenida. As meninas que possuíam vestido branco, geralmente os da primeira comunhão, iam à frente, portando cestas de vime brancas com arranjos das flores amarelas daquela árvore, retiradas pouco antes da saída. Os mais velhos usavam o tradicional uniforme composto por um guarda-pó de algodão branco com mangas longas e tênis brancos. O ponto crucial do desfile era defronte ao Edifício Marieta, onde o vento fazia estragos nos cabelos, levantava as saias, e segurar um banner era tarefa árdua.

Os meus tênis eram de lona que encardia rapidamente devido ao trajeto que fazia a pé de casa até o colégio pelas ruas empoeiradas. No entanto, almejando brancura para o desfile, minha mãe comprava “alvaiade”, um pigmento em pó (carbonato básico de chumbo) que, adicionado a uma base solvente e aquosa, formava uma pasta meio líquida que era passada nos tênis. O resultado era uma alvura absurda e pareciam engomados. Não à toa era usado para pintar cascos e pisos de navios da Marinha Britânica, tornando-os impermeáveis. Ao longo do tempo teve seu uso proibido pela alta toxicidade e seus malefícios para o organismo humano. Desconhecendo o perigo, somente os tênis resultaram envenenados pelo metal tóxico, pois Deus protege os incautos com boa intenção.

6 comentários:

  1. Linda lembrança, Sueli. No meu Grupo Escolar Jesus Divino Operário, alunos ensaiavam a marcha pelas ruas, também. Nos anos em que desfilei, fiquei no pelotão da retaguarda mesmo. A linha de frente desfilou com saias de papel crepom sobre a roupa, portando arcos. Quando desfilei pelo Regente Feijó, creio que usei a saia azul marinho, de pregas, com camiseta branca, sapato colegial preto, que eram peças do uniforme feminino. O comprimento da saia, milagrosamente diminuía logo que a gente saía de casa, e aumentava de novo ao chegarmos ao colégio...

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    1. Com o advento dos uniformes compostos de calça e jaqueta ,a prática de enrolar a saia deixou de existir. Foi uma época única que vivemos, Rosicler e que nos traz boas lembranças.

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  2. Querida Sueli, mais um texto primaz, delicioso e que nos transporta ao passado e nos mantém conenctados ao presente. Grato!!!

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    1. Usei um conhecimento fresco obtido na nossa conversa e usei-o para dar mais crédito ao meu texto. Agradeço a sua contribuição. Um forte abraço.

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  3. Desconhecia a expressão "alvaiade", mais uma para a coleção de vocábulos. Em tempo, que texto fluente e gostoso de ler.

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    1. Que satisfação ler seu comentário, Murilo! Alvaiade é coisa do passado, de uso perigoso, porém era o que tinha para branquear os tênis. Um grande abraço.

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