Texto de autoria de Wilson Czerski, militar da Aeronáutica, escritor e jornalista aposentado, natural de Ponta Grossa e residente em Curitiba.
Sabemos que a
memória é seletiva e armazena por mais tempo os registros envoltos em maior
carga emocional. Uma década e meia basta para compor um mosaico caótico,
talvez, porém, entalhado no fundo da alma.
Tudo começou
nas esquinas da Rua Júlia Lopes com a Rio Grande do Norte, pelos cinco anos. De
lá ficaram uma bicicleta azul de três rodas, a novidade de um copo de leite com
chocolate gelado da casa da vizinha e o único Papai Noel da vida trazendo um
“fenemê” em madeira de um metro de comprimento.
Cesário Alvim,
Olarias. Muito a dizer. Ou calar. Exumação de cadáveres. Melhor não tocá-los.
Recordações amenas? Luz de lampião devido aos frequentes cortes de energia. Não
por relaxo, mas pelo bolso paterno vazio. Quintal grande a espera da enxada
para amenizar a carência: mandioca, milho, verduras, um pé de limão e outro de
mimosa.
Dois
quilômetros e meio para ir e outros tantos para a volta do colégio. Às vezes, o
gelo trincando sob a sola gasta. A Ave-Maria tocada na hora do Ângelus
na pequena São Judas Tadeu e o aperto no coração. O fogão a lenha que queimava
cavaco que era armazenado no porão onde dormia um enorme gato preto, morador da
vizinhança, que numa noite escura voou assustado no peito do moleque apavorado.
Grande nojo pelas lesmas
‘pescadas’ no balde da água de poço. E os vizinhos? Ah, os vizinhos! Como
podemos ser difíceis!
Um oásis na Barão de Capanema,
casa da tia. Um rádio Semp na prateleira da salinha e uma menina na
mesma rua com muitos olhares e nenhuma conversa.
Daqui para lá e de lá para cá.
Até uma fazenda em Teixeira Soares. Diziam “Maiado”, decerto corruptela da cor
de um boi. Som distante de fogos na virada de ano. Solidão. Frustração. Semana
seguinte a fuga. Enchente no Rio Guaraúna cobrindo a ponte. Solução:
quilômetros pelo pasto até o trem.
De volta ao São José, Rua Bahia.
Outra tia, casa alugada. Preparando para bater asas para longe. Turbulências.
Esperanças. Aos 16, serviço braçal.
Depois disso, só nas férias. Na Dal Col, muito barro nos sapatos até chegar ao ponto de ônibus. A sétima parada, próxima ao Hospital Vicentino. Na oitava, o Parque Nossa Senhora das Graças e muita coisa ali. A crise da primeira paixão, as corridas até o Canal 7. Nas tardes de verão o temporal armando pelos lados do Rio Pitangui. E teve uma décima na Rodovia do Café, sustento da casa tirado de um posto de gasolina.
Muito agito em tão pouco tempo. Meio século depois, visitas e até turismo. Da última vez, o Lago de Olarias e um futebol no Germano Krüger.
Quase meia vida em pouco mais de meia página... Nossa existência parece caber sempre dentro de um "quase" e um "pouco mais de". Mas se foi vivida em Ponta Grossa, sabemos do que estamos falando. Parabéns pelo texto
ResponderExcluirWilson, tua vida daria um filme, e deu. Não no cinema, mas no desenrolar da leitura de tuas lembranças. Um vem e vai muito gostoso de ler.
ResponderExcluirÉ isso, Rosicler e Sueli. Intensidade. A despeito da aspereza do caminho. Melhor assim do que passar a vida "em brancas nuvens", não é mesmo? Mas só lembrando que isso tudo foi em apenas 15 anos. KKK
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