segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Privatizações

Texto de autoria de Murillo Emanuel de Lara, estudante de Administração da UEPG, Ponta Grossa.

Postada no Portal aRede em 06/10/2021.

Seu Joaquim estava em casa, era sexta-feira e sua filha Aline e o namorado dela, Jonatan, vieram para o café da tarde. Não é segredo para ninguém que Seu Joaquim não se bicava com o genro.

Estavam sentados no sofá enquanto as mulheres preparavam o café. Vez ou outra eles se olhavam, mas não tinham assunto; nenhum que os agradasse.

Foi quando Jonatan arriscou:

— E o senhor ficou sabendo da privatização dos Correios, Seu Joaquim?

— Sim, eu li algo sobre isso nos jornais. — Seu Joaquim era assinante fiel da Gazeta do Povo, recebia todos os dias em sua casa um exemplar do jornal impresso, mas ele estava começando a ler as colunas on-line, mas ainda estava engatinhando nesse processo.

— Pois é, né — comentou Jonatan —. Agora esse povo vadio trabalha.

— Como é, meu jovem? — perguntou Seu Joaquim se inclinando para a frente.

— Ah, esse povo concursado dos Correios. Todo mundo sabe que eles não trabalham e quando trabalham ainda não fazem direito. Quem sabe com essa privatização eles acordem, ou estarão logo no olho da rua.

— Você acha que é simples assim, rapaz?

— Não, claro que não. Mas já poupa o governo de ficar investindo neles.

— Sim, o governo não precisa mais investir, mas então quem que passa a ser o investidor direto? O povo com os novos valores cobrados.

— Sim, mas... — antes que ele pudesse terminar, Seu Joaquim continuou:

— E de onde você tirou esse papo de que eles não trabalham?

— Bom, uma vez uma encomenda minha atrasou cinco dias. Em uma empresa privada isso não aconteceria.

— E por causa de uma encomenda ruim você vai julgar todos eles?

— Bom...

— E quanto àqueles que ficarão sem emprego e têm família para manter?

— Acho que eles conseguirão outro emprego, né?

— Você acha? — perguntou Seu Joaquim sarcástico. — Meu jovem, eu que sou velho sei que isso é furada, e olha que eu aprendi ontem a como ver um vídeo no Youtube.

— Eu consigo ouvir vocês lá da cozinha — disse Aline. — Além do mais, pai, essa privatização vai gerar muitos empregos novos.

— Sim, mas e os que serão demitidos? Trocará seis por meia dúzia, minha filha.

— Pai, podemos ir comer, por favor?

— Tudo bem, vamos. — concordou Seu Joaquim. Mas quando ele se levantou, ouviu uma moto encostar na frente da sua casa.

— Eu vejo quem é — disse Joaquim indo em direção à porta.

Quando ele voltou para dentro, já estavam todos à mesa.

— Quem era, meu velho? — perguntou Marta.

— Era o carteiro com nossos boletos. — respondeu Joaquim olhando torto para Jonatan.


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