Texto de autoria de Rosana Justus Braga, revisora, Curitiba (natural de Ponta Grossa).
Publicada no Correio Carambeiense em 25/09/2021 e no Diário dos Campos em 20/10/2021, postada no Portal CulturAção em 14/09/2022.
De tudo, o que mais lembro
é o silêncio da tarde, a sinfonia de insetos lá fora, o ressonar do avô no
quarto ao lado, o relógio da sala a contabilizar o tempo. Na hora da sesta a
rua também dormia seu sono breve, e a casa seria a própria morte, não fosse o ressonar
do avô.
No quarto ao lado, a
vida pulsava no peito da menina que se fazia de morta, os sentidos todos
despertos, à espera do instante da ressurreição.
De repente, um
tilintar na cozinha, um ruído de água na torneira, um avivar o fogo, logo o
cheirinho de café coado invadiria os quartos e a vida voltaria a pulsar. Morte
e renascimento diários era o que eu via na casa dos avós, nas férias escolares.
Gosto de pensar que a
cidade natal dorme dentro da gente, como se fora a sesta da tarde à espera do
que seja capaz de despertá-la.
O que me faz pensar
em Proust, que viu o passado brotar de sua xícara de chá. A cidade, a infância,
as pessoas, mas antes a emoção avassaladora até entender o que se passava,
chegar na essência de tudo, reencontrar ali um tempo em que já nada mais subsistia,
após a morte dos seres amados, a destruição das coisas, apenas o sabor e o odor
permaneciam ainda muito tempo, como almas a penetrar o edifício imenso da memória.
A voz do silêncio
sempre foi meu despertador pessoal, a me introduzir nas dobras, onde ficam as
lembranças já esmaecidas.
Mas a roda da vida
vai girando e, hoje, tenho quem me leve a viajar no tempo sem a precisão de silêncios.
Netos. Netos que parecem não acreditar que avós já foram crianças, tal o
empenho em querer ouvir as histórias do passado.
E eu me entrego, sem
resistência.
Banho de chuva?
Guerra de lama? Briga de rua? Chego a pensar que talvez exagere, mas não, as mãos
esfoladas, as unhas encardidas, os joelhos ralados sempre foram a confirmação
da coragem, do arrojo das ideias, das incursões destemidas mato adentro, dos
sustos inevitáveis, da corrida desenfreada na hora do aperto.
É sob os alaridos de
hoje que me vejo embarcar nesta nave do tempo, na companhia de uma plateia
atenta e incrédula.
Quando eles se
cansarem, tudo voltará ao silêncio da sesta.
Até
que algo inesperado faça a memória vibrar outra vez.
A estação da infância, sem dúvida, é a que deixa suas impressões mais impregnadas em nós.. Ah, querendo ou não, seja bom ou ruim, sempre vamos recordar as peripécias daquele percurso...
ResponderExcluirAdorei está crônica. Uma leveza de s
ResponderExcluirDigo, uma leveza de sesta, convidando o coração acse tranquilizar.
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