Texto de autoria de Lenita Stark, artista visual, Ponta Grossa.
Publicada no Correio Carambeiense em 21/08/2021 e no Diário dos Campos em 30/03/2022, postada no Portal aRede em 09/09/2021, no Blog da Mareli Martins em 17/09/2021 e no Portal CulturAção em 12/07/2022, lida na Rádio Clube de Ponta Grossa em 17/09/2021.
A casa da minha infância era um casarão
caiado, de madeira falquejada, na beira da rua, de terra batida. O telheiro era
de tabuinhas de pinheiro, não havia banheiro, o banho era de bacia no quarto
onde a gente dormia. Portas e janelas com tramelas. A cozinha era o palco, com
fogão a lenha, onde a minha avozinha narrava seus causos, lugar preferido da
casa, em que a gente mais ficava, curiosas para ouvir os causos de visagens que
ela nos contava. No quintal havia uma fornalha, o dia de assar pães era
sempre uma festa para nós, crianças, desde o início do fogo até os pães ficarem
prontos — não arredávamos os pés do quintal, o cheiro da fumaça e o aroma do
pão assado mesclavam-se com o perfume das flores cultivadas pela avozinha,
ao redor da casa. Era para nós um momento especial. Nos arredores do
casarão havia muitas árvores frondosas, fazíamos perigosas incursões em seus
galhos.
À noite, as tábuas das paredes falavam —
entre estalos dialogavam. Pelas frestas da parede o vento entrava uivando pela
casa — debaixo das cobertas a gente suava frio de medo. Antes do sono chegar
não contávamos carneirinhos, a contagem era dos sarrafos nas paredes do quarto.
Assim, cultivei sentimentos — memória
afetiva, por esses espaços singulares de habitação, que, com zelo e manutenção
resistem ao tempo; quando uma tábua padece, troca-se, tudo nela é dedicação e
carinho, uma casa de madeira é como um ninho, sempre é possível uma
transformação para maior conforto.
Participei de um grupo de desenhos ao
ar livre; em nossos encontros, conheci e retratei memoráveis habitações de
madeira, de nossa cidade, muitas construídas por imigrantes: poloneses,
alemães, italianos e ucranianos.
Em Ponta Grossa foram construídas dezenas
de casas de madeira, entre as décadas de 1920 até 1950, uma época em que a
madeira era farta e a concretude ainda não tinha invadido os sonhos de moradia
das pessoas. As casas eram românticas, as varandas, convite para um chimarrão
no fim da tarde. Beirais com belíssimos lambrequins como adornos, quintais
conservados, com plantas da época, jardins ao redor da casa. Arquiteturas que
transmitem significado de existências passadas. Mãos talentosas de imigrantes,
mestres carpinteiros, que deixaram um legado precioso em nossa região.
Casas que conservam a essência de seus
habitantes, marcas de humanidade em suas dependências. São legados do passado,
que logo deixarão de fazer parte do nosso cenário urbano.
Adentrei no texto e..., curiosa, fui percorrendo a ambientação da casa, por dentro...,e, por fora. O estilo, importado, impressiona sim. Mas os cheiros bons de família, da natureza florida que enfeita os arredores, do pão fresco saído do forno de barro,tudo isso ficou impregnado em mim... Parabéns, Lenita, faz muito bem cultivar e compartilhar conosco desses bons sentimentos...
ResponderExcluirParabéns pelo texto!
ResponderExcluirA arquitetura das casa é uma marca inconfundível da nossa região, deixada pelos imigrantes de várias nacionalidades que passaram por aqui. Exemplos são os lambrequins das casas do Parque Histórico em Carambeí.