domingo, 24 de novembro de 2019

Procura-se o passado


Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, Ponta Grossa

Publicado no Portal aRede em 05/12/2019.

              Aquela família vivia segundo os costumes da época, meados do século XX. Os homens trabalhavam fora, e as mulheres cuidavam do lar e dos filhos. O trabalho caseiro delas incluía fazer uma pequena horta e cuidar de galinhas num cercado no fundo do quintal, em que produziam ovos e carne.
           O pai trazia o sustento para casa, e a esposa contribuía com as verduras, legumes e ovos frescos. As crianças iam a pé para a escola todos os dias. No inverno pisavam cristais de gelo que se acumulavam na grama dos terrenos baldios por onde cruzavam para encurtar o caminho, com seus resistentes calçados com solado de pneu. À tardinha a mãe esperava o marido que chegava em casa, após o trabalho, sempre no mesmo horário e, abraçados, adentravam à casa onde contavam um ao outro sobre o seu dia.
              Enquanto conversavam e a mãe preparava o jantar, as crianças brincavam dentro de casa de “esconde-esconde”: embaixo da mesa da sala, dentro do guarda-roupa, no cesto de roupa suja, atrás das portas... era uma correria e risos puros de crianças felizes. As atividades eram quase sempre as mesmas, exceto nas quartas-feiras.
             Ah, na quarta-feira era diferente! Esse dia era reservado para ir ao cinema. Jocosamente chamavam a sessão de filmes das quartas-feiras do Cine Império de sessão “pão-duro” pois eram dois ou três filmes ao preço de um. Diziam que os habitués daquelas sessões entravam no cinema na quarta e saíam na quinta já que a sessão terminava depois da meia-noite.
         A empresa de transporte coletivo que o casal usava, cujos ônibus faziam a parada final no Ponto Azul, já havia recolhido seus carros naquele horário. Carro próprio só em sonho. Era luxo.  Saíam e caminhavam até suas casas saboreando o clima da noite, comentando os filmes e era muito natural. Não conheciam outra vida.
          Hoje o tradicional Cine Império é só uma maravilhosa lembrança, e famílias como aquela são uma saudosa recordação. Quadros redondos nas paredes com fotos de casamento e de primeira comunhão em preto e branco deram lugar a uma decoração mais moderna. Agora as famílias têm carro para levar os filhos à escola e à noite as crianças também se escondem, porém atrás de um tablet, de um celular ou de um computador. As mães trabalham fora em dupla jornada e estão sempre estressadas, o pai volta tarde do trabalho, cansado e sem paciência... Depois pedem comida pelo aplicativo e assistem a filmes pela Netflix.
         Para onde foi aquele tempo?

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