Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.
Hoje tem os que pescam via Internet. Confortavelmente
sob um cobertor, lareira acesa, comemorando com alguma exclamação entusiasmada,
ou desaprovando alguma atitude com comentários jocosos, como: “Olhe o tipo do
pescador! Leva linguiça para assar na beira do rio!
Não o tipo de pescador que foi meu
amado e saudoso pai, cuja preocupação era não perder um minuto sequer de
pescaria, nem com enrolação na saída, nem com preparação de comida na beira do
rio. Reunia-se com o Hermógenes, o Chico Navalha, o Nalepa e outros (alguns com
apelidos que Avelino repetia com naturalidade, como se fossem o próprio DNA
daqueles parceiros de trabalho nas Oficinas da Rede e das pescarias). Acordava
lá pelas cinco da manhã, para preparar a isca dos lambaris, que seriam as iscas
dos peixes maiores (frequentemente retornava só com lambaris, mesmo, o que eu
achava ótimo, pois, bem fritos, com polenta, não dava para sentir os espinhos,
ao contrário dos peixes grandes). A isca primitiva era uma massinha feita de
trigo, à qual fibras de algodão eram aderidas de forma muito sutil (para os
peixes não perceberem), e para que as bolinhas minúsculas que resultavam dessa
massinha não se desmanchassem ao contato com a água. E para não grudarem umas
às outras, era o fubá que servia de antiaderente. Foram trocadas por massinhas
industrializadas, mais tarde, mas precisavam ser cozidas em água fervente,
escorridas e também desagregadas uma das outras com o fubá. Outro item
importante, preparado com esmero: a boia (ou melhor: as boias). Sim, além dos preparados
no dia anterior: as linhas com anzóis e boias, que, ao afundarem, indicam o
momento em que o peixe “belisca” (hora de empregar toda a destreza de pescador),
havia também a boia: o “grude”, o “rango”, preparado bem cedinho, antes da
saída para o pesqueiro, para não perder tempo na beira do rio. O cheiro
irresistível da cebola frita no tempero do virado de feijão com arroz e a
linguiça frita me acordavam com água na boca.
Antes do nascer do Sol, iam apinhados
na carroceria do calhambeque do Avelino, ou no “pé de bode” do Chico Navallha, em
busca dos bagres e mandis dos Alagados, carás do Caniú, traíras das lagoas do
Kalinoski, no rio Tibagi. Nas pontas dos caniços de taquara balançava-se um
retalho vermelho de alegria travessa.
Hoje sonhei com papai. A saudade me
acordou antes do nascer do Sol, soprando no ar um cheiro imaginário da cebola
frita, prenúncio de uma pescaria, sem perda de tempo, nos pesqueiros do
infinito, onde eles estão agora.
Pescador é sempre igual, só muda o endereço. Meu pai também foi pescador nos rios de Ponta Grossa e, mais tarde teve um genro que tinha o mesmo gosto e então passou a pescar com ele os rios de Mato Grosso.
ResponderExcluirUma boa narrativa, Rosicler.
O comentário foi de sua fã, Sueli Fernandes.
ResponderExcluirObrigada, Sueli!
ExcluirO último parágrafo de sua crônica explica tudo. A motivação: uma grande saudade que alimentamos na alma, de pessoas, de coisas, de tempos vividos. Ainda bem que foram vividos, não é mesmo?
ResponderExcluirSim! A saudade traz tudo de volta, numa sinestesia impressionante. Obrigada.
ResponderExcluirApesar de ser interiorano, minha família nunca foi de pesca, e consequentemente nunca tive o hábito. Todavia, eis uma atividade pela qual tenho simpatia, tanto na modalidade amadora como profissional. Belo texto.
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