terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Faíscas no asfalto

Texto de autoria de Rogério Geraldo Lima, empresário, redator e radialista, Palmeira.

Lida na Rádio Clube em 07/01/2022, postada no Blog da Mareli Martins em 07/01/2022 e no Portal aRede em 26/01/2022, publicada no Diário dos Campos em 12/01/2022..

Nos anos 1970 as ruas da cidade começaram a ser pavimentadas com asfalto. A maioria delas tinha paralelepípedos e algumas só leito natural com uma camada de cascalho. Antes dos paralelepípedos e do asfalto, a rua principal também tinha o leito natural e, em dias de chuva, formava-se lama. Em períodos de seca, a poeira era constante. Nestes casos, o caminhão-pipa da prefeitura molhava a rua para evitar que o pó levantasse e invadisse casas, lojas e outros espaços.

Durante as obras de pavimentação, uma das ruas transformou-se em parque de diversões. Quando a noite começava, máquinas e homens saíam e a rua, fechada para veículos, recebia dezenas de meninos e seus carrinhos de rolimã. Em aproximadamente 600 metros, carrinhos de todos os tipos e tamanhos desciam em uma corrida cheia de emoções. As faíscas do atrito das rodinhas contra o asfalto chegavam a compensar a tímida iluminação, entre gritos de comemoração dos vencedores e as lamentações dos que não conseguiam cruzar a linha de chegada à frente dos demais. Na parte alta da rua, onde era dada a largada, os gritos ecoavam, perguntando: “Quem ganhou?”.

Improvisados “mecânicos” ajustavam seus bólidos, apertando parafusos e porcas, lubrificando partes móveis e rolamentos com óleo para máquina de costura, um item que todos tinham em casa, pois as mães dispunham de uma máquina para confeccionar roupas para a família e fazer reparos nas calças de brim, rasgadas em pontos estratégicos devido ao futebol, brincadeiras e corridas de carrinhos de rolimã.

Ninguém pensava em equipamentos de segurança, como capacetes, e, vez por outra, dos cortes e escoriações jorrava sangue, devidamente estancado com as sujas estopas usadas para absorver o excesso de óleo aplicado nos rolimãs. Importante era não perder a vez da descida, arrojadamente buscando a vitória, mesmo que não representasse prêmio, pódio ou beijo da namorada.

Tempos depois, pavimentação concluída e a rua aberta para a passagem de veículos. Terminou a movimentação de carrinhos de rolimã descendo a faiscar no asfalto e subindo, carregados por seus pilotos, até o ponto de partida para nova largada.

Hoje, nas mágicas horas de início da noite, passo por ali e ouço o ruído ensandecido das rodinhas a ganhar velocidade na descida, vejo o clarão das faíscas ─ mesmo que sejam lágrimas teimosas atingidas pela luz das lâmpadas de LED. Porém, quando chego ao ponto mais baixo da rua, onde as corridas terminavam, olho para trás e consigo escutar: “Quem ganhou?”.

 

5 comentários:

  1. Encantadora e elegante narrativa! Parabéns! Sempre as crianças arrecadando vitórias sobre os estorvos das melhorias, ou sobre os descasos dos abandonos, indo por aí, sobre qualquer circunstância positiva ou negativa que se atreva a interferir em sua lei de fazer a alegria vencer de qualquer modo.

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    1. A alegria da infância sempre vence, Rosicler! Nada mais forte e virotioso que o espírito infantil que desafia as probabilidades de insucesso, de perda e de decepção. Ele sempre vence!

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  2. Ralavam os joelhos, furavam as calças e, no caso do meu filho, desmontou o cortador de grama manual, tirando as rodinhas para construir seu bólido, tudo em nome da diversão e da espalhafatosa alegria que contagiava os meninos da época, muito bem narrado por você, Rogério.

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    1. Confesse, Sueli! Mães divertem-se com essas situações vividas pelos filhos. Não é verdade?

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  3. Sou grato por ter vivido um tanto disso também!!!

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