terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Ponta Grossa, topo do mundo

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa.

Lida na Rádio Clube em 14/01/2022, postada no Blog da Mareli Martins em 15/01/2022 e no Portal aRede em 02/02/2022, publicada no Correio Carambeiense em 15/12/2022 e no Diário dos Campos em 13/04/2022.

Eram tantas curvas, tantos lamaçais e atoleiros e tantas subidas...  E a infância tão demorada na vida quanto nas estradas de chão do Taboleiro. Meu pai tinha um calhambeque ― um Dodge 1928, raridade, do qual a originalidade tinha sido roubada pelo acréscimo de uma carroceria, tornando-o um utilitário. O trajeto que os veículos mais modernos fazem em meia hora, o calhambeque percorria em mais de uma hora, numa viagem de solavancos. Meu pai adorava dirigir nas curvas da “Estrada da Cerâmica São Sebastião”, embora não apreciasse os “areões”, e a considerasse mais “perigosa”, pois também era mais movimentada. A outra opção não tinha tantas curvas, era margeada por matas nativas que a mantinham lamacenta por mais tempo, após uma chuva forte. Nós crianças viajávamos na carroceria, preservadas de quedas e traquinagens por um toldo amarrado às grades laterais, o que não nos impedia de produzir imprevistos – previstos, quando se trata de crianças – como desamarrar algumas tiras para podermos apreciar a paisagem. Depois de rezarmos o Pai Nosso, Ave-Maria e Santo Anjo, seguíamos viagem cantando os sucessos do rádio: de Estúpido Cupido e Banho de Lua, aos sucessos dos galãs Wanderley Cardoso, Jerry Adriani e outros. E, claro, O Calhambeque, de Roberto Carlos.

 O retorno pela estrada do bueiro não era uma subida tão longa como a da estrada da cerâmica, mas era bastante íngreme justamente no topo, onde se encontrava uma porteira. Com chuva, tanto transpor o bueiro como encarar a subida da porteira era uma temeridade, e a estrada da cerâmica era a opção menos pior, por isso, sempre de olho nos sinais da Natureza, meu pai previa o momento em que, obrigatoriamente, encerraríamos o passeio, a fim de alcançarmos a estrada principal antes de qualquer pingo de chuva cair naqueles caminhos de areões, curvas e na longa subida. Nosso calhambeque chegava ao topo já em primeira marcha, e eu temia que o coitadinho não “aguentasse” tanto esforço. Cessavam as cantigas, pois nossos corpos em suspense exerciam “força solidária”, até sentirmos o alívio do motor, com a troca de marcha, e a retomada da “alta” velocidade de cinquenta por hora.

Mais larga e cascalhada, a estrada principal parecia ser o topo do mundo, os horizontes se alargavam e de longe já se viam o edifício Marieta e o Itapoã, na colina mais habitada de Ponta Grossa. Nos Campos Gerais, todas as subidas alcançam o caminho das tropas e levam a Ponta Grossa, assim como na minha infância. 

 

7 comentários:

  1. Desbravar, transpor e superar obstáculos, sentir aquele friozinho na barriga, é o que enleva a graça da infância. Navegar por essas lembranças parece ser tão bom quanto avistar de longe a casa que nos aguarda para o merecido aconchego... "Ponta Grossa, topo do mundo", para mim faz muito sentido, Rosicler. Parabéns!❤️

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    1. Obrigada, Marlene. Assim é Ponta Grossa, mesmo para tantos não nascidos aqui: a terra natal.

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  2. Ah, Rosicler! As estradas lamacentas e as crianças divertindo-se com a situação fazem parte também das minhas boas lembranças da infância, das tantas viagens entre Palmeira e Ponta Grossa - sobre o trajeto do histórico Caminho das Tropas - para encontrar os avôs e demais parentes. Sequer imaginávamos a tensão do motorista para segurar o veículo na pista, deslizando pra lá e pra cá em meio ao lamaçal.

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    1. Eu, para falar a verdade, tinha muito medo. Se o pai falava, " "junta tudo e vamos embora porque a chuva está vindo", nem tinha o "Ah, pai, só mais um pouquinho!" Tradicional das crianças.

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  3. Quantas traquinagens na carroceria de um Dodge 1928 por estradas lamacentas! E, por fim, o topo do mundo, por estrada cascalhada vislumbrando o Edifício Marieta e o Itapoã! Boas lembranças de sua infância neste belo texto. Parabéns, Rosicler!

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