Publicado no Diário dos Campos em 21/04/2020, lida no programa CBN Esportes - Ponta Grossa em 30/04/2020, postado no Portal aRede em 11/06/2020.
Dona
Maria lavava roupa todo dia. Separada do marido por traição dele, abandonada,
tinha muita história para contar. A mágoa, porém, se escondia no recôndito do
seu peito e não se mostrava. Não tinha um túmulo para chorar a perda do marido,
já que ele ainda vivia, e com outra.
Engolia
o fel que a vida lhe reservara com a resignação de um desesperançado, daquele
que sente o peso da vida a esmagar-lhe os sonhos. Ainda era jovem, mas as
agruras que vivia haviam endurecido sua alma como pedra.
Três
filhas para criar sozinha, esfregando roupas e como diarista em uma casa de
família. Uma família de alemães com a qual aprendeu, entre outras coisas, a
cozinhar e servir com refinamento, costumes europeus que levou para sua vida.
A
menina do meio era a mais alta, subnutrida, pois necessitava de mais alimento
do que havia na mesa. Empalidecia cada vez mais à medida que crescia, falta de
ferro, anemia... Usava as roupas da irmã mais velha, quase não ganhava roupas
novas.
A
tarefa a ser executada pelas meninas enquanto Dona Maria estava no trabalho era deixar a casa limpa e arrumada. Não usavam cera
no assoalho de madeira com tábuas largas, era caro. A casa era lavada com água
e areia para retirar qualquer vestígio de sujeira que pudesse existir. Depois
do banho, roupa limpa, esperavam a mãe na esquina e a viam surgir ao longe
carregando sacolas com doações da patroa alemã, Frau Bergen.
Exausta
do trabalho e com tantos problemas a minar-lhe os pensamentos, tornara-se
amarga e não aceitava o carinho que as filhas, saudosas, queriam dar-lhe. Só
perguntava se tomaram banho, se a casa estava limpa, se haviam deixado o fogo
aceso pra fazer a janta...
A
menina do meio sempre desejou comer maçãs, vermelhas, cheirosas, com aquele
papel de seda roxo a protegê-las nos caixotes de madeira. Só sonho...não havia
condições. As outras também tinham seus desejos não supridos pela condição
social.
Já
adolescentes, adveio a Segunda Guerra Mundial e a menina do meio, personalidade
forte emergindo, queria seguir com as tropas atuando como enfermeira. Seu
vizinho havia ido como soldado para o front, porém Dona Maria não permitiu.
Ao
fim da guerra o belo rapaz moreno de olhos verdes voltou, aparentemente sem
sequelas, e casou-se com aquela menina. Tranquilidade para a mãe cujo orgulho
era dizer: Eu casei uma filha!
Essa
mulher forte existiu. Dona Maria era minha avó.
Marlene Castanho. Ponta Grossa PR
ResponderExcluirQue sina essa da Dona Maria?!
Se me perguntar de quem é a culpa, eu vou revirar os olhos e dizer: Hannn!...
É o tipo de situação, explicável e ao mesmo tempo inexplicável, pela qual passaram, passam, e continuarão a passar muitas mulheres...
Quando o texto mexe com nossos sentimentos, é sinal que, de alguma forma, ele cumpriu com seu propósito... Portanto, parabéns a autora: Sueli M Buss Fernandes
Sueli vc faz a gente viajar nos seus contos é maravilhoso ler ....publique mais.
ResponderExcluirPrezada Marlene, fico muito feliz que meu texto tenha alcançado o seu coração. Obrigada pelo comentário que demonstra sua sensibilidade. Sueli Fernandes
ResponderExcluirOlá, Dry Guimarães. Nosso intuito ao escrever é justamente esse: fazer com que a mensagem emocione o leitor. Gratidão. Sueli Fernandes
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