segunda-feira, 13 de abril de 2020

Dona Maria

 Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, Professora aposentada, Ponta Grossa.

Publicado no Diário dos Campos em 21/04/2020, lida no programa CBN Esportes - Ponta Grossa em 30/04/2020, postado no Portal aRede em 11/06/2020.


Dona Maria lavava roupa todo dia. Separada do marido por traição dele, abandonada, tinha muita história para contar. A mágoa, porém, se escondia no recôndito do seu peito e não se mostrava. Não tinha um túmulo para chorar a perda do marido, já que ele ainda vivia, e com outra.
Engolia o fel que a vida lhe reservara com a resignação de um desesperançado, daquele que sente o peso da vida a esmagar-lhe os sonhos. Ainda era jovem, mas as agruras que vivia haviam endurecido sua alma como pedra.
Três filhas para criar sozinha, esfregando roupas e como diarista em uma casa de família. Uma família de alemães com a qual aprendeu, entre outras coisas, a cozinhar e servir com refinamento, costumes europeus que levou para sua vida.
A menina do meio era a mais alta, subnutrida, pois necessitava de mais alimento do que havia na mesa. Empalidecia cada vez mais à medida que crescia, falta de ferro, anemia... Usava as roupas da irmã mais velha, quase não ganhava roupas novas.
A tarefa a ser executada pelas meninas enquanto Dona Maria estava no trabalho era deixar a casa limpa e arrumada. Não usavam cera no assoalho de madeira com tábuas largas, era caro. A casa era lavada com água e areia para retirar qualquer vestígio de sujeira que pudesse existir. Depois do banho, roupa limpa, esperavam a mãe na esquina e a viam surgir ao longe carregando sacolas com doações da patroa alemã, Frau Bergen.
Exausta do trabalho e com tantos problemas a minar-lhe os pensamentos, tornara-se amarga e não aceitava o carinho que as filhas, saudosas, queriam dar-lhe. Só perguntava se tomaram banho, se a casa estava limpa, se haviam deixado o fogo aceso pra fazer a janta...
A menina do meio sempre desejou comer maçãs, vermelhas, cheirosas, com aquele papel de seda roxo a protegê-las nos caixotes de madeira. Só sonho...não havia condições. As outras também tinham seus desejos não supridos pela condição social.
Já adolescentes, adveio a Segunda Guerra Mundial e a menina do meio, personalidade forte emergindo, queria seguir com as tropas atuando como enfermeira. Seu vizinho havia ido como soldado para o front, porém Dona Maria não permitiu.
Ao fim da guerra o belo rapaz moreno de olhos verdes voltou, aparentemente sem sequelas, e casou-se com aquela menina. Tranquilidade para a mãe cujo orgulho era dizer: Eu casei uma filha! 
Essa mulher forte existiu. Dona Maria era minha avó.

4 comentários:

  1. Marlene Castanho. Ponta Grossa PR

    Que sina essa da Dona Maria?!
    Se me perguntar de quem é a culpa, eu vou revirar os olhos e dizer: Hannn!...
    É o tipo de situação, explicável e ao mesmo tempo inexplicável, pela qual passaram, passam, e continuarão a passar muitas mulheres...
    Quando o texto mexe com nossos sentimentos, é sinal que, de alguma forma, ele cumpriu com seu propósito... Portanto, parabéns a autora: Sueli M Buss Fernandes

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  2. Sueli vc faz a gente viajar nos seus contos é maravilhoso ler ....publique mais.

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  3. Prezada Marlene, fico muito feliz que meu texto tenha alcançado o seu coração. Obrigada pelo comentário que demonstra sua sensibilidade. Sueli Fernandes

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  4. Olá, Dry Guimarães. Nosso intuito ao escrever é justamente esse: fazer com que a mensagem emocione o leitor. Gratidão. Sueli Fernandes

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