segunda-feira, 13 de maio de 2024

O quinze de abril

Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, residente em Ponta Grossa.

          Eu já não era mais criança, mas “sérios” compromissos de adolescente não me impediram de acompanhar meu pai, num determinado 15 de abril, ao pinheiral do primo Valdo, no distrito de Guaragi, na localidade rural de Taboleiro. Nessa ocasião, que já ficou mais de meio século no passado, adentramos uma bela floresta de araucárias produtivas, prontas a obedecerem à lei do 15 de abril, que despejavam de suas fecundas pinhas maduras os polpudos pinhões.  Segundo Avelino Antoniácomi, meu pai, as araucárias do pinheiral do Valdo jamais negaram sua fidelidade a essa lei, de forma que também ele (ainda um solteiro agricultor, ou já um ferroviário, casado, pai de sete crianças, em férias, ou mais tarde, desfrutando da aposentadoria na chácara do Taboleiro), sempre que possível, lá estava, no pinheiral do Valdo, recolhendo num cesto as sementes que as gralhas não enterraram, que os bugios não comeram no alto do pinheiro, que a ventania acabara de debulhar das pinhas. Antes do 15 de abril, era possível encontrar pinhões, apenas em um certo local, onde vicejavam algumas araucárias conhecidas por Pinheiro de São José, assim nomeadas porque suas sementes costumavam debulhar aos poucos desde o dia 19 de março, Festa de São José, mas eram sementes mais miúdas e não tão macias como as que obedeciam à lei do 15 de abril. O confiante Avelino garantia que antes do 15 de abril os polpudos pinhões de uma certa espécie que abundava naquela floresta não estariam no chão, mas nesse dia, era preciso disputar seara com os porcos, “obviamente” também conhecedores da obediência das araucárias do Valdo.

          Recordo-me com clareza do 15 de abril em que tive uma prova da proteção divina. Nosso pai era um grande valente medroso, que nos preservava de sustos com os porcos comedores de pinhões, ou com os bugios no alto dos pinheiros, mas eu já não era criança, naquele dia, em que as filhas “mais velhas” que quiseram acompanhá-lo, tiveram permissão.

 A um “craque”, diferente dos “craques” produzidos por nossos tênis quebrando gravetos no chão, instintivamente, dei um pulo para trás, e exatamente no ponto de onde pulei para trás, despencou um robusto e mal-intencionado galho de araucária; o anjo da guarda, a quem eu até já perdera o hábito de pedir proteção, agiu prontamente, impedindo um desastre, que nada tinha a ver com os temidos fuçadores. Com a fé restabelecida, sem medo, segui adiante na coleta dos pinhões. Apenas apurei meus sentidos, e concentrei-me nos avisos da Natureza.

7 comentários:

  1. Certamente um isqueiro no bolso do seu Avelino permitia uns sapecados deliciosos. Parabéns.

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    1. ROSICLER ANTONIÁCOMI19 de maio de 2024 às 15:09

      Corte favorito para os assados do Avelino: filé 7. Alcatra ou picanha só em dias festivos...

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    2. ROSICLER ANTONIÁCOMI19 de maio de 2024 às 15:14

      Mas os pinhões, na época certa, todos os dias sobre a chapa do fogão a lenha. As sapecadas no mato mesmo não eram frequentes, pois o "valente medroso" temia que o fogo se alastrasse. Em campo aberto presenciei algumas.

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  2. Este ano comprei os primeiros pinhões por volta de 15 de abril. Não tinha conhecimento
    de que a data é importante para que as sementes possam estar bem maduras. Acho que a lenda procede, estavam no ponto de consumo. A fruta-símbolo do Paraná rendeu boas aventuras na sua infância. Grata por dividi-la conosco!

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    1. ROSICLER ANTONIÁCOMI19 de maio de 2024 às 15:23

      Os mais velhos da região do Taboleiro confirmam. Mas a verdade é que antes do 15 de abril, os pinhões que aparecem para venda têm uma aparência de imaturos, e uma pele que não solta da polpa, quando cozidos.

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  3. É clichê dizer que um texto "nos transporta ao passado", mas o sentimento foi esse. Valeu.

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    1. ROSICLER ANTONIÁCOMI19 de maio de 2024 às 15:16

      Verdade, Murilo. É o que fazem as lembranças.

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