Texto de autoria de Luiz Murilo Verussa Ramalho, servidor do Ministério Público Estadual, residente em Ponta Grossa.
"Àqueles que partilham
desta forma bibliófila de voyeurismo e que em um dia distante encontrarão esta
crônica."
Você abre o livro e
desaparece no cosmos enigmático e arrebatador que está de tocaia em suas
páginas. Não me refiro ao enredo, por mais aliciante que seja, mas a uma dobra
anterior deste multiverso, o maquinário de urdir mistérios que são as
dedicatórias.
Há livros que valem pela
dedicatória. A eloquência de quem dedica – certamente impulsionada por fomes
interiores que o inspiram – supera a do autor do livro-objeto, que o escreveu
burocraticamente, de ânimo frio, para lançá-lo ao mercado e pagar o condomínio.
A dedicatória certeira ilumina o livro fraco, mas a dedicatória de estilo
tropeçante em nada macula o livro bom, antes passa a integrá-lo, talento do
autor (do livro), potência anímica do autor (da dedicatória) alinhando-se,
verso e anverso da mesma obra, escrever mal com o sentimento do escrever bem.
Nas bibliotecas públicas de Ponta Grossa, o dedicatorismo – inventei o nome, mas não o movimento – é praticado com frugalidade. Livro que se ganhou e rejeitou não é para ser doado e sim para ser trocado ou vendido, bem baratinho, nos comércios próprios. Constelações de dedicatórias, arquipélagos de dedicatórias, plêiades, matilhas, falanges de dedicatórias vicejam nos livros vendidos nos sebos da cidade, vertidas em todos os estilos. Pedagógico: "que aprenda muito no curso de..."; açucarado: "com afeto do..."; doméstico: "para minha filha, no aniversário de..."; vidente: "essa noite sonhei que vamos..."; poético-ecológico: "o mar, as estrelas, os passarinhos"; irônico: "caso saibas ler..."; filosófico (é o estilo açucarado ou o vidente, mas citando autores para reforçar as segundas intenções) e a seguinte pedrada com sutileza, datada e tudo: "Para a D. Silvia, com respeito, mas com esperança. Luis Fernando, 1954". (LF foi cirúrgico e, se algum familiar entrar em contato dizendo que funcionou, faço crônica, mas o livro estar no Sebo sugere o contrário.)
Apreciar dedicatória é lançar um olhar que devassa o interior de quem olha. Há quem evite escrevê-las, contando sua história antes da história propriamente dita, alegando o temor de um dia encontrar o livro, com sua caligrafia, seu nome e sua boa vontade, na liquidação da rede Espaço Cultural ou no Sebo Pantera. Temor vazio, que esconde um outro, mais nocivo, o medo de viver.
Parabéns, Luiz Murilo. Mais uma crônica arrebatadora!
ResponderExcluirArrasou! Parabéns ao autor! Que delícia de leitura!
ResponderExcluirMaravilhosa crônica: repleta de nuances e riqueza de detalhes! Ass: Silvia Schafranski
ResponderExcluirEspetacular! Esta não tem previsão de ir parar no Sebo, o que você parece ter insinuado na dedicatória, salvo engano meu. Até já tem o meu voto para o ranking de melhor crônica do projeto.
ResponderExcluirQuerido Murilo, você é um craque da crônica! Que prazer ler seu texto!
ResponderExcluirIncrível. Dedicatória que já conta uma história.
ResponderExcluirPrezados, agradeço os comentários sempre tão gentis. Grande abraço a todos.
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