segunda-feira, 29 de abril de 2024

O tempo é o senhor da razão

Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa.

Dies posterior prioris est discipulus

No primeiro ano de faculdade, o ingresso no curso de Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa era um mergulho no desconhecido, uma jornada que misturava empolgação e ansiedade. Naquela sala de aula, repleta de alunos e cadernos prontos para serem preenchidos, tudo parecia perfeitamente normal. Até que ele entrou.

O professor W.J.C., uma figura sui generis de cabelos grisalhos, olhos grandes e óculos de aro grosso, adentrava a sala com um ar de mistério e uma pasta de couro antiga. Os alunos logo perceberam que aquela aula seria diferente.

Sem rodeios, o professor começou a explicar os fundamentos do Direito Civil com uma abordagem única. Ele adorava usar termos em latim conjugados com uma linguagem erudita, como se estivesse encenando uma peça clássica em pleno século XX.

Enquanto os estudantes tentavam acompanhar freneticamente suas anotações, o professor W.J.C. lançava, em meio ao contexto das explanações, expressões como aliud, alea jacta est, quieta non movere, ad hoc, ad honores, rebus sic stantibus, deixando todos atônitos e com os olhos vidrados em busca de compreensão.

Os cadernos rapidamente se encheram de rabiscos confusos e tentativas frustradas de decifrar o que diabos aqueles termos significavam. Alguns alunos riam perplexos, quando uma aluna se queixou:

— Ele me chamou de virago, mas sou moça direita, será que pode isso?

O professor W.J.C. continuava sua explanação, completamente alheio ao caos que havia criado. Para ele, aqueles termos eram tão naturais quanto respirar, e repetia que iria fazer com que desenvolvêssemos raciocínio jurídico, diferente da lógica das Exatas. Aquele professor singular e suas expressões corriqueiras haviam transformado uma simples aula em uma experiência inesquecível.

Ao término da aula, enquanto os alunos saíam da sala em meio a uma série de críticas e ainda tensos, ficava a certeza de que, naquele curso de Direito, nada seria tão fácil e previsível quanto se imaginava. E aquele professor, antes mesmo até odiado pelo rigor e pela linguagem erudita, os acompanhou pelos próximos cinco anos quando, ao final, se tornou o nome de turma: “Wilson Jerônymo Comel”.

Seu legado se perpetua até hoje em cada um de nós que foi instigado a explorar os recônditos do conhecimento por conta própria, partindo das suas premissas, das grandes obras, dos clássicos indicados e da linguagem até então indecifrável que era lançada de forma cotidiana em sala de aula.

9 comentários:

  1. Uma crônica que nos traz saudades dos professores que marcaram nossas vidas!!!! Parabéns!!!!

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  2. Mais uma primorosa crônica, Silvia. Parabéns!!!

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  3. ROSICLER ANTONIÁCOMI29 de abril de 2024 às 10:47

    Nem imagino como se viraram na faculdade de Direito alguns colegas do Curso Clássico, que frequentei no Regente Feijó. O Latim era muito bem ensinado, porém... com zero interesse da maioria. Até hoje me lembro de algumas declinações, meio misturadas na memória, que consegui decorar... Excelente crônica, Sílvia!

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  4. Meu querido padrinho! 🙏

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  5. Carmen Lucia Checchia29 de abril de 2024 às 17:07

    Parabéns 👏essa crônica me fez lembrar o início do meu curso de direito e alguns professores que tive , principalmente o de Economia .

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  6. Quem passa pela Universidade, seja em qualquer curso, sempre tem história para contar. A tua foi interessante e acabou sendo uma homenagem ao professor WJC.

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  7. Frequentei os mesmos bancos numa época posterior à aposentadoria do citado professor (na minha época, a decana era a Adelângela Steudel, de cujas aulas me recordo com saudade e gostaria de assisti-las novamente). A primeira vez que li o nome de WJC foi no primeiro ano da faculdade, quando li um livro de crônicas jurídicas, lançado por ocasião de um congresso universitário, e me chamou a atenção um dos textos lá publicados, que literariamente equilibrava de maneira brilhante melancolia e humor. Nos anos seguintes, ouviria seu nome outras tantas vezes...

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  8. Parabéns Silva pela crônica. Homenagem justa para um homem que escreveu sua história como excelente e respeitado professor e profissional. 👏👏👏

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