Texto de autoria de Ludo Santos, jornalista e bancário aposentado, natural de Ponta Grossa, residente em Curitiba.
O dia amanhecera chuvoso na manhã em que
lá aportei para um compromisso vespertino. Uma névoa se dissipava num grande
véu cinza sobre a cidade. Um vento cortante castigava quem não estivesse recolhido.
Por isso, apressado entrei no hotel onde fizera a reserva. A moça do check-in,
ao reparar no documento que eu era conterrâneo, prometeu um quarto com uma bela
vista. Agradeci e assenti matreiramente que era ponta-grossense, mas não
praticante. Ela não entendeu. Então lhe expliquei que o quê sempre me interessou
na cidade era o bairro vizinho ao hotel, onde vivi os primeiros dezesseis
felizes anos de minha vida.
Desde muito fiz da linha trem da
cidade o meu paralelo 38. Acima dele, nada invade a minha memória, exceto as
recordações das matinês de domingo no cine Império, dos OpeGua (Operário x
Guarani – infelizmente quase sempre vencidos pelo Fantasma), da loja HM na
época de natal, e de um par de olhos celestes do Colégio Santana que cada vez
que cruzava com os meus me dava uma noite de insônia de presente. Abaixo do
paralelo, o bairro que se tornou a minha terra do nunca, minha madeleine
proustiana.
Desfaço a mala e maldigo a hora em que
mais uma vez não prestei atenção a uma voz que me acompanha desde criança, sempre
me alertando para não esquecer a japona. Desço no hotel para matar tempo e
bendigo a ideia de sair à toa pelas ruas do bairro atrás de antigas dores e alegrias.
Percorro a principal via, hoje
asfaltada, e brinco de descobrir o que sobrou da antiga rua de pedras que
tantas vezes subi e desci em direção ao mundo. Reconheço poucas casas ainda
debruadas de velhos jardins, alpendres e paredes grenás desbotadas. Exploro lentamente
outras ruas e vejo com desgosto que o bairro mudou mais depressa do que eu.
Sei que o bairro se modernizou: hoje
há prédio de vinte andares, grandes lagos, rua asfaltada, as casas são
coloridas, disfarçaram de novas fachadas velhas, deceparam árvores, muraram nosso
campinho, o grupo escolar ganhou uma quadra de esporte e perdeu o jardim
proibido, a nova igreja é de alvenaria e as traves do campo do Olinda agora são
redondas.
O frio me morde a face e a memória quando saio do carro e vejo o que fizeram com a casa onde cresci. Desolado, volto ao hotel. No quarto, tenho a minha desforra. Da janela, derrubo o atual bairro e reconstruo o antigo com suas casas grenás, a rua de pedras desiguais, a igrejinha de madeira, o rio magrinho sem peixe, a nossa casa de esquina, os almoços de domingo, a lua que pertencia à janela do meu quarto...
Agora nada parece ter mudado e, no entanto, tudo mudou no Olarias.
Um belo rosário de memórias, com passagens de nível separando os mistérios
ResponderExcluirque se revelam na saudade. Parabéns!
Belo texto rememorando o bairro das Olarias! Lembranças de um tempo protegido pela memória do autor!
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