segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Despertares

Texto de autoria de Alfredo Mourão, aposentado, graduado e especialista em Letras - UEPG, criador de textos e contador de histórias, residente em Ponta Grossa.

Postado no Portal aRede em 11/01/2023, no Portal CulturAção em 04/04/2023, e publicado no Diário dos Campos em 08/03/2023.

          Às vezes desperto entre as matinas monásticas. Musicadas horas do audível futricar de folhas, burburinhar de brisas, gorjear de passarinhos – delicadas práticas cotidianas da ancestral mãe natureza faça sol faça chuva.

          Logo as poéticas dos primeiros cantares/falares são progressiva e ostensivamente encobertas por ruidosas poéticas dos artefatos tecnológicos. Despertam agitados ponta-grossenses sonolentos, alterando a tranquilidade da aurora brejeira, modificando a lírica sonoridade dos originais.

          De novos personagens se faz dia a dia a cidade expandida desde que os pioneiros assentaram-se nas fartas campinas dos Campos Gerais, introduzindo hábitos, rasgando caminhos, carregando ideias.  Apresentando expectativas, trazendo nos muares novos olhares novos despertares.

         Cada um desperta à sua maneira. Cada uma se expressa ao seu modo e conveniência. Idiossincrasias. Modernidades. Pluralidades. Transversalidades de um século que se redescobre e se redefine a cada despertar de manhãs ensolaradas ou nubladas. Lá se vão mais de dois séculos nas plagas princesinas.  

         Entre idos primaveris e vindos veraneios me pego às memórias despertadoras daquilo que, saudosa e carinhosamente, costumamos dizer “bons tempos aqueles!” Alguém se recorda do cincerro despertador de Nhô Fidêncio, tirando todos da cama fizesse sol fizesse geada, prometendo o animado Luiz Frederico Daitschman retornar na manhã seguinte com hilário bordão “se Deus quiser, se não faltar fôlego, a polícia consentir e nós não perder a hora!” Por certo alguém próximo já contou as proezas da casamenteira Comadre Daysi no concorrido “Gentilezas caipiras”, marcando encontros, lendo cartas de amor, ensinando simpatias e utilidades públicas - “bom dia comadre, bom dia compadre!” Fizesse sol fizesse chuva lá estavam Luiz Frederico Daitchsman e Daysi Durski despertando a Princesa dos Campos e região, nas ondas da Rádio Clube Ponta-grossense PR-J2.

          Nos conturbados dias contemporâneos os despertares têm sonoridade eletrônica, inteligências artificiais. Despertamos alheios aos trinados da passarada urbana em limitados quintais. Ao canto madrugador de um sobrevivente galináceo na vizinhança verticalizada. Sonoras provocativas do celular impõem-se com fortes apelos. Porquanto reels, lives, podcasts, stories, streamings, uma profusão de aplicativos seduzem-nos com discutíveis poéticas. É a democracia dos novos despertares do agitado 2023.

4 comentários:

  1. Rosicler Antoniácomi23 de janeiro de 2023 às 07:36

    Os vetores modernos do despertar podem até escolher outras horas do dia, que não os da mãe Natureza para fazerem soar seus guisos. O teor poético do texto provoca ainda despertares emotivos.

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    1. Despertar memórias e emotividade: está aí a pegada da crônica!

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  2. Andrea Cristina Clausen23 de janeiro de 2023 às 07:41

    Haa !!que delicia ler essa crônica Alfredo,viajei no tempo,das manhãs entre o café e a rotina,ouvindo o rádio com as comadres Maria e Dayse,e tudo oque vc descreveu da nossa amada Ponta Grossa.
    Parabéns primo🥰

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  3. Saudoso tempo, muitos nem sabem que o galo canta ao amanhecer e o futuro? Dá até medo de pensar o que está por vir, Nós contemporâneos quando começamos a aprender a nova linguagem digital já notamos que ficou ultrapassada….

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