Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada, Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 16/11/2022, no Portal CulturAção em 13/12/2022, e publicado no Diário dos Campos em 25/02/2023.
Eu
passeava tranquilamente pela cidade de Castro, onde apreciava a beleza
arquitetônica da Igreja Matriz, marcada por traços coloniais e imperiais,
quando repentinamente ouvi o barulho estridente de buzinas seguido de freadas e
de um grito: “tinha que ser mulher”.
Instantaneamente
percebi a figura de uma mulher de estatura baixa, cabelo curto e não trajada
com roupas tipicamente femininas. Seus braços robustos e tatuados e suas
canelas grossas saíram do carro e marcharam em direção ao locutor, exclamando:
“vais apanhar na frente de todo mundo para deixar de utilizar frases
machistas”.
Aquele
momento me levou a refletir sobre o choque cultural vivenciado na atualidade e
do motivo pelo qual as mulheres foram consideradas por tanto tempo seres
frágeis e inferiores.
Lembrei
que eram os próprios homens que faziam questão de manter as mulheres em papeis
de submissão absoluta como se fossem incapazes de prover o próprio sustento.
Aliás, as gerações mais antigas se orgulhavam em dizer que as suas mulheres não
precisavam trabalhar, e que o trabalho feminino advindo de senhoras casadas era
considerado uma vergonha para quem lhes desposava, eis que soava como um
atestado de incompetência masculina.
Ressoavam
em minha cabeça as palavras de indignação de minha avó, quando minha mãe
precisou praticamente suplicar ao meu pai para deixá-la exercer seu ofício como
professora: “vocês estão com problemas financeiros? Seu marido não consegue
sustentar a casa?”
Os anos oitenta alteraram
inclusive o padrão de vestimenta feminino. Coco Chanel, por exemplo, contribuiu
para masculinizar os trajes femininos: ombreiras, paletós e gravatas passaram a
ser utilizados como forma de minimizar a aparência de sexo frágil.
Há
aqueles que não se consideram machistas. Esses, sem dúvida, são os piores. Não
nascemos machistas. Tal fenômeno cultural é construído, ainda que em menores
proporções nos dias atuais.
E,
diante de meus olhos, a pungência da cena: um homem arrancado de seu veículo
pelos braços fortes e tatuados de uma mulher que lhe deixou massacrado, caído
no asfalto. E, nas pernas curtas e peludas que se afastavam lentamente, lia-se:
meu corpo, minhas regras.
Percebi,
naquele momento, que a história machista brasileira jamais será a mesma:
“mulher indigesta merece um tijolo na testa” (Noel Rosa) e “Amélia” (Mario
Lago) se foram para sempre. Em seu lugar surgiram variadas figuras: algumas
femininas, outras, nem tanto. Afinal, todos somos um pouco machistas.
Mário Lago, Noel Rosa, e tantos outros poetas, maravilhosos, mas refletiam a cultura machista de seus tempos. Melhoramos, melhoremos.
ResponderExcluirMário Pavelec