terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Clamor canino

Texto de autoria de Eduardo Pauliki Solek Ferreira, estudante de Ciências Jurídicas, Ponta Grossa.

Publicada no Correio Carambeiense em 12/02/2022.

Ao saborear a crônica “Retalhos do Interior” de Francielly da Rosa, avistei um personagem bem comum neste centro-oriente paranaense. Por muitos despercebido e até preterido: o digníssimo guaipeca caramelo.

Ora devorando do chão aquela fração de carne que escapuliu do pastel de feira, ora adoidado quando vem o celetista amarelo para quebrar o jejum da caixinha de correspondências, haverá sempre aqui ou acolá o dito cujo. Sua procedência é uma incógnita. Definições transbordam. Seria um cão desprovido de raça? Ou fruto de um sincretismo genético tão perfeito que acabara dando-lhe uma feição incomparável? Algo é certo. Não é protótipo de rottweiler, tampouco pug. Ele simplesmente é o que é.

Não é novidade que a confiança foi enfraquecida por uma dose de mau-caratismo nas relações interpessoais da vida contemporânea. Queres uma boa notícia? O cão mestiço nunca te fará mal! Aliás, disposição a não deixar-te aos prantos é praticamente garantida. Insta revelar que num desses sonhos de verão, a pulga de um guaipeca contou-me “fabulamente” que os ancestrais do caramelo de quatro patas estiveram em momentos épicos do Estado. Já pensou? Ah! Quão privilegiado o guaipeca que testemunhou a vibração dos visionários da 5ª Comarca quando essa se tornara a província autônoma que hoje nos acolhe! Quão privilegiado o guaipeca que presenciou a passagem eufórica de Getúlio pela região quando faria eclodir a Revolução de 30! Entretanto, não nos enganemos. Nem tudo é um mar de rosas. Por exemplo, quão prejudicado aquele sem lar quando viera a geada negra de 75!

Mesmo que se pressione veementemente o botão pela causa animal, incluindo a lei 14.064/20 que endureceu a punição aos infratores, por que persiste uma matilha de vira-latas carecendo de dono? “Tá bom, mas veja bem, prefiro um de raça, pois...” Não me venhas com conjunções explicativas! Não notas que o guaipeca é tão virtuoso que chega a provocar dor de cotovelo nos pedigrees? Coloque um vira-lata para farejar poesia sob noites de luar. Verás que uivará numa conexão transcendental com o satélite natural. Já o pedigree, coitado, esse foi alienado a ficar quase o dia inteiro trancafiado em condomínios na melancólica companhia de brinquedos de látex. Enquanto esse faz careta à polenta, aquele está para o que der e vier. Dispensa birra e sorri por tudo. Como são fortes os vira-latas de rua!

 

3 comentários:

  1. Eduardo Paulik, parabéns! Auau, 'Clamor canino', é uma homenagem merecida aos nossos simpáticos amigos de quatro patas. Guaipeca Caramelo representa muito bem a força e a singeleza dessa raça canina ❤️

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  2. Muito boa sua crônica, Eduardo! Uma coisa puxa outra e o guaipeca Caramelo virou protagonista. Parabéns!

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  3. E uma lástima alguém dar preferência aos "de raça". É interessante conhecer a forma como são "produzidas" metodicamente as raças, e como a natureza produz os guaipecas. Não admira a poética destes últimos, com tanto lirismo descrita em seu texto, Eduardo.
    O meu guaipeca não é caramelo, é preto, com uma poética mancha branca no peito.

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