Texto de autoria de Aline Sviatowski, estudante, Ponta Grossa.
Postada no Portal NCG.news em 23/08/2021 e no Portal aRede em 22/09/2021, publicada no Correio Carambeiense em 28/08/2021 e no Jornal Diário dos Campos, em 05/07/2022.
Nos anos noventa, caminhar pelos corredores do
tradicional mercado ponta-grossense poderia ser uma aventura divertida, ou
irritante ─ dependendo das posições dos astros e das suas conjugações, dos
níveis hormonais na corrente sanguínea, do extrato bancário ou mesmo da quina
da cama; afinal, sempre é possível cair em ruínas ao bater a extremidade rica
em receptores sensoriais do quase inútil dedinho.
Na entrada do mercado, os olhos cobertos por sobrancelhas
grossas e a boca fina recolhida para baixo do tapete de bigodes do fiscal de
loja fitavam o homem segurando sua filha no colo. Sentado nas redondezas da
prateleira de jornais, cumpria o aterrorizante papel de poderio foucaultiano aos transgressores da ordem
daquele estabelecimento comercial.
A menina, no colo do pai, não deixa o temor impedi-la.
Com a destreza de esconder-se, caminha furtivamente até as ilhas de frutas.
Ilha de banana. Ilha de chuchu. Ilha de batatas: a preferida. Senta-se
prontamente no chão, em um local onde não é possível enxergarem-na, ela
esperava pacientemente a sua próxima vítima.
O homem de calças largas, sapato escuro e blusa de
moletom parecia ranzinza o suficiente para receber ogivas de batatas. Antes,
precisava praticar ─ no chão ao lado de um senhor. Na ilha ao lado e na de
tomates. Tudo certo, a mira estava calibrada. Observando os movimentos do
desconhecido de face sisuda, escolheu o momento exato na sua tática precisa.
E um clarão de batatas surgiu. O homem, deu um leve
sobressalto. “Batatas”. Atingido por duas batatas. Retirado da introspecção que
o remetia aos problemas da vida adulta, buscou perturbado ao seu redor. Olhou
para cima. Olhou sobre os ombros. Sua face enrugada denunciava a irritação por
ser retirado de suas lamentações internas. Remoendo seus problemas, observou a
menina encolhida aos risos.
Prontamente abriu um sorriso largo, devolvendo as batatas
à menina e devolvendo à sua face uma serenidade esquecida nos últimos dias.
Repreendida por seu pai, mas aos risos, a menina
divertia-se com suas pequenas transgressões. A próxima? Afundar as órbitas
oculares dos peixes da peixaria. Ao menos, até que seja pega em flagrante
delito pelas tecnologias de monitoramento do século XXI.
Aos vencedores, as batatas... Mais precisamente, as do
mercado ponta-grossense.
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