Texto de autoria de Rosicler Antoniácomi Alves Gomes, Professora de Português e Inglês, Ponta Grossa.
Publicada no Correio Carambeiense em 26/06/2021 e no Diário dos Campos em 18/05/2022, postada no Portal aRede em 14/07/2021.
“Lá nos matos” do Tabuleiro,
distrito de Guaragi, moravam meus avós, tios e tias descendentes de imigrantes
italianos, os Antoniácomi. Nós, netos e netas, que já conhecíamos paçoquinha
embrulhada em papel colorido, quando visitávamos Vô Júlio e Vó Mariuta (Maria)
e as tias solteiras que ainda moravam no sítio com eles, comíamos paçoquinha
preparada na hora, com café. Era a guloseima que havia no sítio, que a vó moía
num pilão “manual”, de madeira, que ficava na cozinha dela. Juntava o amendoim
torrado com farinha de milho e açúcar, e socava naquele pilão até virar paçoca.
Uma delícia.
Mas no quintal, atrás da casa, havia uma engenhoca mais
brutal. Era uma “arataca” de madeira rústica, cujos elementos eram o pilão,
entalhado em um enorme e pesado cepo; a mão do pilão, que consistia numa viga
de madeira com a ponta arredondada (que pendia de uma estrutura também de
madeira firmemente fincada no chão), com um mecanismo que a fazia elevar-se do
pilão a uma altura de, talvez, meio metro, despencando com a força da gravidade
de novo para dentro do pilão; e uma espécie de gangorra, impulsionada por uma
das tias, que participava dessa elevação e queda da mão do pilão como se fosse
uma brincadeira (assim era vista pelas crianças). E as crianças? Uma por vez,
sentavam-se na gangorra com uma das tias segurando-as para não caírem enquanto
a outra tia, a da força motriz, aliviava controladamente o peso, produzindo a
risada da criança que pulava para cima enquanto a mão do pilão despencava, e a
ansiedade das que esperavam sua vez na fila.
Mas o interessante, é que tenho em minha memória uma
imagem surreal dessa estrutura no quintal atrás da casa. Não sei dizer se vi
acontecer, ou se imaginei de um modo muito vívido, ou se alguém inventou essa
estória para impressionar a criança ingênua, que era bem eu, que acreditava em
qualquer lorota. O fato é que a memória existe: uma tina com água e sabão, no
lugar do pilão; uma corda ou algo assim, no lugar da mão do pilão; roupas penduradas
de algum modo nessa corda; e a tia sorridente “brincando” de gangorra, soltando
as roupas dentro da tina, fazendo borbulhas, espalhando pingos d’água para fora
da tina, quando subiam de novo. Uma repetição que, certamente, acabava por
limpar as roupas.
E aí? Imaginação, sonho, vida real, ou lorota? Não tenho
mais vergonha de confrontar meus “micos”, mas agora também não tenho as tias
para me dizerem se essa memória era realidade ou “mito”. Eu aposto no mito. E
acho que prefiro mantê-lo intacto, pois a realidade costuma ser mais chatinha.
Acho que todos nós temos temos essa dúvida, se uma lembrança é verdadeira ou não.
ResponderExcluirNão é mesmo? Há uma segunda vida na cabeça da gente...
ExcluirAgradeço imensamente ao Projeto Crônicas dos Campos Gerais pelo inestimável prestígio ao meu trabalho. É um lindo projeto, muito bem conduzido pela Academia de Letras dos Campos Gerais.
ResponderExcluirAdoro seus textos. Sempre me identifico c eles. Talvez pq somos do mesmo tempo e costumes. A paçoca no pilão era uma gostosura que minha avó fazia de vez em quando, tb fazia paçoca de carne no pilão. Parabéns amiga p doce memória!
ResponderExcluirObrigada, amiga!
ExcluirAcho que deve ser verdadeira! Afinal é uma forma uma pouco mais "bruta", porém eficaz de uma lava roupas hehe
ResponderExcluirAh, esse pilão... E a paçoca!, com gostinho único da casa da avó!... Rosicler, KKK, não resta dúvida que na sua memória coube todas as nuances de uma infância bem aproveitada...
ResponderExcluirO pilão era aproveitado duplamente pelas crianças: brincando de gangorra e comendo a paçoca. Uma infância feliz vivida com simplicidade.
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