Texto de autoria de Aline Sviatowski, ex-acadêmica de
Direito da UEPG, Ponta Grossa.
Postado no Portal aRede em 21/05/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 30/06/2020.
Postado no Portal aRede em 21/05/2020, lido na CBN Ponta Grossa em 30/06/2020.
Vinte e dois. O número de dias em
que o jovem operário da indústria cervejeira deixou seus filhos em expectativa
para o grande passeio. Seu filho mais velho, sua filha mais nova e o cão tão
branco quanto leite fresco. Todos acordavam e dormiam à espera. Todo dia, um
dia a menos; toda hora, uma hora a menos.
Segunda-feira, ao sair para o
trabalho, o jovem pai era acompanhado do cão. Rex. Seguia-o até a imponente
indústria. Cinco da tarde, fiel e pontualmente, o cachorro ia buscar o seu
dono, desde sua casa até a porta da fábrica. Até uma lambida de cerveja
ganhava, pois parecia gostar do malte ao balançar seu rabo em sinal de alegria,
mas suas reais recompensas eram o afago discreto e algum graveto pelo caminho.
Alguns quilômetros de caminhada. Janta. Polenta ao cão, sopa de repolho ao pai.
Terça, quarta, quinta, sexta,
sábado. Finalmente, domingo! O sol refletia um pouco mais no cabelo loiro e
ralo do menino mais velho. Rex lambia os dedos da menina, acordando-a. Pulos de
alegria. O domingo mais feliz de 1962.
Partiram todos. Sete horas da manhã.
Carregados pelos próprios pés, a caminhada de quatorze quilômetros iniciou com
a leve presença do sol e a promessa de banho em água fresca. Capão da Onça.
Suas águas suaves entre pedras e verdes colinas, abraçam tais quais grandes
braços de araucárias. O jovem operário e sua família contavam anedotas,
cantavam músicas, criavam duráveis lembranças no campo da memória com emoções
únicas. A expectativa, aliada à paisagem rica e ao simples conforto familiar,
traria lembranças que perdurariam diante das agruras do futuro e chegariam às
gerações posteriores.
O sol ergueu-se: ausência de sombra.
Ensaiava-se a hora de voltar. Duas horas e meia de caminhada. Virando a esquina
para chegar em sua casa, o jovem operário apalpa seu bolso. Onde estariam seus
óculos? Ninguém sabia. Por que levou seus óculos para uma cachoeira? Ninguém
sabia. E ali foi o jovem operário. Caminhou mais quatorze quilômetros até
encontrar seu fiel tradutor de imagens: em cima da pedra em que sentou a manhã
toda. Mais quatorze quilômetros. O cão branco estava praticamente transparente.
O jovem, esquecido por genética,
chegou pontualmente para a janta especial de domingo: pierogi. Todos
“bronzeados” – leia-se vermelhos – riam até doer a barriga agora repleta de uma
exímia culinária. Assim foi, o domingo mais feliz e esquecido de 1962, pode
procurar nos livros de História.
Marlene Castanho. Ponta Grossa PR
ResponderExcluirAline Sviatowski, "Os Óculos", fazem muito sentido... Com o passar dos anos a memória vai ficando curta, e nossas lembranças vão se perdendo pelas esquinas do tempo... Conclui que minha memória precisa deles (óculos) também.
Ah, tantas aventuras e momentos felizes, em boas companhias, a serem hoje em dia relembrados!...
Não se acha nos livros mais simples de história, só aqueles que contam o que ocorreu genuinamente na nossa Princesa dos Campos, com a memória dos verdadeiros pontagrossenses!
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